domingo, 23 de fevereiro de 2014








O EXEMPLO DA UCRÂNIA E O RENASCER DOS MOVIMENTOS FASCISTAS NA EUROPA - por ERIC DRAITSER *
20 de Fevereiro de 2014 às 12:30


A violência nas ruas da Ucrânia é muito mais do que uma manifestação da ira popular contra um governo. É, ao invés, simplesmente o exemplo mais recente da ascensão da mais insidiosa forma de fascismo que a Europa já viu desde a queda do Terceiro Reich.
Os últimos meses assistiram a protestos regulares da oposição política ucraniana e seus apoiantes – protestos ostensivamente em resposta à recusa do presidente Yanukovich de assinar um acordo comercial com a União Europeia, encarado por muitos observadores políticos como o primeiro passo rumo à integração europeia. Os protestos foram razoavelmente pacíficos até 17 de Janeiro, quando manifestantes armados com paus, capacetes e bombas improvisadas desencadearam uma violência brutal sobre a polícia, atacando edifícios governamentais, batendo em quem fosse suspeito de simpatias pelo governo e provocando destruição generalizada nas ruas de Kiev. Mas quem são estes extremistas violentos e qual é a sua ideologia?
A formação política conhecida como «Pravy Sektor» («Sector Direita») é basicamente uma organização chapéu para um certo número de grupos ultra-nacionalistas (ler: fascistas) incluindo apoiantes dos partidos «Svoboda» («Liberdade»), «Patriotas da Ucrânia», «Ukrainian National Assembly – Ukrainian National Self Defense» (UNA-UNSO) e «Trizub». Todas estas organizações partilham uma ideologia comum que, entre outras coisas, é veementemente anti-russa, anti-imigrantes e anti-judia. Além disso, partilham uma reverência comum pela chamada «Organização de Nacionalistas Ucranianos», liderada por Stepan Bandera, a que pertenciam os infames colaboradores dos nazis que combateram activamente contra a União Soviética e cometeram algumas das piores atrocidades durante a II Guerra Mundial.
Apesar de forças políticas ucranianas, oposição e governo, continuarem a negociar, uma batalha muito diferente está a ser travada nas ruas. Utilizando a intimidação e a força bruta, mais típica dos «Camisas castanhas» de Hitler ou dos «Camisas negras» de Mussolini do que de um movimento político contemporâneo, estes grupos conseguiram transformar um conflito sobre política económica e alianças políticas do país numa luta existencial pela própria sobrevivência da nação que estes chamados «nacionalistas» afirmam amar tão ardentemente. As imagens de Kiev a arder, as ruas de Lvov cheias de brutamontes e outros exemplos assustadores do caos no país, ilustram sem sombra de dúvida que a negociação política com a oposição do Maidan (a praça central de Kiev e centro dos protestos) já não é a questão central. É, antes, a questão de apoiar ou rejeitar o fascismo ucraniano.
Pelo seu lado, os EUA lançaram-se no apoio à oposição, sem considerar o seu carácter político. No princípio de Dezembro de 2013, membros do «establishment» dirigente dos EUA, tais como John McCain e Victoria Nuland, foram vistos no Maidan a apoiar os manifestantes. Entretanto, quando o verdadeiro rosto desta da oposição se tornou evidente, os EUA e a classe dominante ocidental e sua máquina dos «media» pouco fizeram para condenar o levantamento fascista. Ao invés disso, os seus representantes encontraram-se com representantes do «Sector Direita» e consideraram que não constituíam uma «ameaça». Por outras palavras, os EUA e seus aliados deram aprovação tácita à continuação e proliferação da violência em nome do seu objectivo final: a mudança de regime.
Numa tentativa de arrancar a Ucrânia da esfera de influência russa, a aliança EUA-UE-NATO aliou-se - e não é a primeira vez que o faz - com fascistas.


Como se sabe, durante décadas, dezenas de milhares de pessoas na América Latina foram fietas desaparecer ou foram assassinadas por forças militares fascistas armadas e apoiadas pelos Estados Unidos. Os «mujahideen» do Afeganistão, que depois se transformaram na Al Qaeda, uma «rede» também ideologicamente reaccionária e extremista, foram organizados e financiados pelos Estados Unidos com o objectivo de desestabilizar a Rússia. Há, igualmente, os penosos exemplos da Líbia e, mais recentemente, da Síria, onde os Estados Unidos e seus aliados financiam e apoiam extremistas jihadistas contra um governo que se recusa a alinhar com os EUA e Israel. Há aqui um padrão perturbador que não tem sido compreendido por observadores políticos: os Estados Unidos a fazerem causa comum com extremistas de direita e fascistas para obterem ganhos geopolíticos.
A situação na Ucrânia é profundamente perturbadora porque representa uma conflagração política que poderá muito facilmente dilacerar o país, menos de 25 anos depois de se tornar independente da União Soviética. Contudo, há outro aspecto igualmente perturbador na ascensão do fascismo naquele país – ele não é um caso único.

Ameaça fascista por todo o continente europeu

A Ucrânia e a ascensão do extremismo de direita não pode ser vista, muito menos entendida, isoladamente. Deve, ao invés, ser examinada como fazendo parte de uma tendência crescente através da Europa (e na verdade do mundo) – uma tendência que ameaça os próprios fundamentos da democracia.
Na Grécia, a austeridade selvagem imposta pela «troika» (FMI, BCE e Comissão Europeia) arruinou a economia do país, levando a uma depressão tão má, se não pior, do que a Grande Depressão nos Estados Unidos nos anos 1930. É com este pano de fundo de colapso económico que o partido «Aurora Dourada» cresceu até se tornar o terceiro maior partido político do país. Perfilhando uma ideologia de ódio, o «Aurora Dourada» – efectivamente um partido nazi que promove o chauvinismo anti-judaico, anti-imigrante e anti-feminista – é uma força política que o governo de Atenas considerou ser uma grave ameaça ao próprio tecido da sociedade grega (NR) . Foi esta ameaça que levou o governo a ordenar a detenção dos membros da direcção do partido, depois de um nazi do «Aurora Dourada» ter esfaqueado um «rapper» anti-fascista. Atenas ordenou uma investigação ao partido, embora os resultados desta investigação e o respectivo processo permaneçam pouco claros.
O que torna o «Aurora Dourada» uma ameaça tão insidiosa é o facto de, apesar da sua ideologia nuclear ser nazi, a sua retórica anti-UE e anti-austeridade atrair muita gente, numa Grécia economicamente devastada. Tal como muitos movimentos fascistas no século XX, o «Aurora Dourada» transforma em bodes expiatórios os imigrantes, os muçulmanos e os africanos, responsabilizados por muitos dos problemas que os gregos enfrentam. Em circunstâncias económicas terríveis, tal ódio irracional torna-se atraente, como se fosse uma resposta à questão de como resolver problemas da sociedade. Na verdade, apesar de líderes do «Aurora Dourada» estarem presos, outros membros do partido ainda estão no Parlamento, ainda concorrem a cargos como à presidência do Município de Atenas. Embora uma vitória eleitoral seja improvável, nova demonstração de força nas eleições tornará muito mais difícil a erradicação da ameaça fascista na Grécia.
Se este fenómeno estivesse confinado à Grécia e à Ucrânia, não constituiria uma tendência continental. Contudo, infelizmente, vamos assistindo à ascensão, embora menos abertamente fascista, de partidos políticos de extrema-direita por toda a Europa. Na Espanha, o Partido Popular, no governo e pró austeridade, avançou com leis draconianas para restringir as manifestações e a liberdade de palavra, aprovando e fortalecendo, ao mesmo tempo, tácticas policiais repressivas. Em França, o partido da Frente Nacional, de Marine Le Pen, que publicamente faz dos imigrantes muçulmanos e africanos os bodes expiatórios da crise conquistou aproximadamente 20 % dos votos na primeira volta das eleições presidenciais. Analogamente, na Holanda, o Partido pela Liberdade – que promove políticas anti-muçulmanas e anti-imigrantes – cresceu a ponto de se tornar o terceiro maior partido no Parlamento. Por toda a Escandinávia, partidos ultra-nacionalistas, outrora totalmente irrelevantes e obscuros, são agora actores significativos em eleições. Estas tendências são no mínimo, muito preocupantes.
Também deve ser salientado que, para além da Europa, há um certo número de formações políticas quase-fascistas que são, de uma maneira ou de outra, apoiadas pelos Estados Unidos. O golpe de direita que derrubou os governos do Paraguai e das Honduras foram tacitamente e/ou abertamente apoiados por Washington no seu objectivo aparentemente infindável de suprimir a esquerda na América Latina. Naturalmente, também deveria ser lembrado que o movimento de protestos na Rússia foi encabeçado por Alexei Navalny e seus seguidores nacionalistas, que adoptam uma ideologia racista e anti-muçulmana que encara imigrantes do Cáucaso russo e de outras antigas repúblicas soviéticas como inferiores aos «russos europeus». Estes e outros exemplos pintam um retrato muito feio de uma política externa norte-americana que tenta utilizar a adversidade económica e a reviravolta política para estender a hegemonia dos EUA por todo o mundo.
Na Ucrânia, o «Sector Direita» retirou a luta política da mesa de negociação para o transformar em combate de rua, numa tentativa de cumprir o sonho de Stepan Bandera – uma Ucrânia livre da Rússia, de judeus e de outros cidadãos encarados como «indesejáveis». Animados pelo apoio contínuo dos EUA e da Europa, estes fanáticos representam uma ameaça mais grave para a democracia do que Yanukovich e o seu governo pró-russo. Se a Europa e os Estados Unidos não reconhecerem esta ameaça, ainda embrionária, quando o fizerem poderá ser demasiado tarde.

(NR) É muito discutível que o actual governo de Atenas tenha esse entendimento. A sua atitude é, antes, de conivência passiva e omissão. Forças policiais gregas pouco ou nada fazem para reprimir o «Aurora Dourada», só actuando em casos extremos.

(*) Analista geopolítico independente residente em Nova York.

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