"Nunca coleccionei nada, nunca juntei papéis, nunca guardei manuscritos: vivo do vento. Não tenho cartão multibanco, nem cartão dourado, nem cartão de visita. Trago o dinheiro no bolso como os negociantes de porcos e os intermediários da droga. Não me importa o que visto ou o que como, nunca bebi, não vou a jantares, e devo ser aborrecidíssimo porque não me aborreço. Em criança brincava quase sempre sozinho: continuo a brincar sozinho dentro da minha cabeça, assistindo às coisas que se fazem e se desfazem continuamente nela. Não faço parte de nenhuma associação, nenhum movimento, nenhuma confraria, nenhum partido. Quase não falo e, em regra, quase não oiço. Gosto de algumas pessoas, de alguns lugares, de alguns livros. Não odeio ninguém, não invejo ninguém: não por ser bom rapaz mas por não ter tempo. Escrever é um acto que raramente associo ao prazer e que, no entanto, me leva a maior parte das horas: desconheço a razão de ser um homem de palavrinhas, colocando umas diante das outras numa furiosa e mansa paciência obstinada. E não tenho mais a dizer a meu respeito."
António Lobo Antunes
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