"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
quarta-feira, 26 de julho de 2017
Joaquim Paço d?Arcos
Maria Elisa Ribeiro
Agora mesmo ·
Escritores, ensaístas, filósofos,tão esquecidos nas Letras Portuguesas.
Em termos de Letras, ninguém se nos compara! Então, por que se deixa, assim, cruamente, de falar deles e de se dar a conhecer a sua obra?O mesmo posso dizer do grande António Ramos Rosa, desaparecido há bem menos tempo. Encontrei o texto seguinte, na net:
JOAQUIM PAÇO D'ARCOS, "HERÓI DERRADEIRO"
"Numa tarde de Julho de 1926 atravessava as florestas de Cheringona, no território da Companhia de Moçambique, um expresso de uma só carruagem da Trans-Zambézia Railway.
Regressava da Zambézia à Beira o governador do Território. Acompanhavam-no, além dos seus ajudantes, o autor destas linhas e uma pessoa estranha à comitiva: Carlos Sobral.
Carlos Sobral era ao tempo director em África da «Mozambique Industrial & Commercial Coy. Ltd.», um desdobramento, para fins comerciais, da Companhia de Moçambique.
Naquele pequeno salão da carruagem de caminho-de-ferro conversaram durante longas horas da monótona viagem, esses dois homens, tão profunda e apaixonadamente portugueses, que o destino por ironia, mas por útil ironia, colocara a dirgir interesses que meses mais tarde se haviam de patentear tão opostos aos nacionais.
Eram homens de diferentes idades: o governador aproximava-se dos cinquenta, Carlos Sobral andaria pelos trinta. (...)
Mourejando por terras onde frequentemente o português se avilta, adoptando os hábitos de indolência a que o clima convida, os usos mesquinhos próprios dos meios pequenos, esses dois homens, ao contrário, mantinham íntegras em si as melhores qualidades da raça. Eram dois verdadeiros portugueses.
Carlos Sobral estava em conflito aberto com os dirigentes londrinos da companhia que superintendia em África. Admitia como muito provável a hipótese de repudiar a situação em que trabalhava. Era um lugar magnífico, e muitos outros homens, em circunstâncias idênticas, transigiriam em tudo para não perder a situação que usufruíam. Ele não transigia em nada e ao perguntarem-lhe o que iria fazer no caso de se encontrar desempregado, respondia tranquilo, cheio de confiança e de optimismo: trabalhar. E já se expandia por todo um projecto de se dedicar à cultura do solo, à criação de gado, na vida rude e fatigante do mato, que ele tanto amava.
É preciso conhecer certos territótios de África e a eterna dependência em que o português ali vive do Estado ou das grandes companhias, alheado por completo das qualidades de iniciativa que fazem dele um elemento tão útil no Brasil, é preciso conhecer aqueles meios de parasitagem e de covardia, para admirar em todo o seu valor a serena confiança com que Carlos Sobral, por ser português de «antes quebrar que torcer», trocava uma cómoda e rendosa situação pela tão mais humilde e ingrata profissão de pequeno agricultor.
Nessa tarde - curiosa coincidência do acaso! - esses mesmos homens perante cuja arrogância Sobral não cedia, assinavam em Londres o terceiro e último contrato sobre o porto da Beira. Meses decorridos, por uma triste e dolorosa fatalidade, Carlos Sobral morria na Zambézia, vítima de si próprio, da sua coragem magnífica.
Alguns dias depois do seu falecimento chegavam à Beira, para conhecimento do governador, e para serem executados, os contratos do porto.
O Governador não os executou. Era a vez dele, agora, num assunto de muito maior gravidade, assumir a atitude para a qual, meses atrás, serenamente, dignamente, Carlos Sobral se encaminhava.
A minha observação fora exacta. Aqueles dois homens haviam-se estimado porque ambos possuíam, entre a degradação e a vileza quase gerais, essa rija fibra moral dos portugueses de outro tempo.
Ao retratar a figura primacial deste pequeno romance eu não quis biografar Carlos sobral, pois que a sua vida foi muito diferente da do protagonista. Este é solteiro e Carlos Sobral era casado com uma nobilíssima senhora que foi a mais dedicada e a mais inteligente auxiliar da sua vida aventureira e trabalhosa.
Eu não quis fazer História, pretendi escrever umas páginas poucas em que focasse a miséria duns e a grandeza de outros.
E dar-me-ei por feliz se no decorrer destas linhas transparecer, em homenagem a Carlos Sobral, alguma coisa do seu espírito audacioso e cavalheiresco e da sua alma tão grande e tão justa."
in INTRODUÇÃO, "Herói Derradeiro" de Joaquim Paço d'Arcos
Publicada por Nuno Lebreiro à(s) 3:19 da tarde
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