segunda-feira, 21 de setembro de 2015

DESCARADO DOENTE!


Pensões elevadas?

«Nós temos de encontrar uma forma de garantir que o Estado não fica no futuro a garantir o pagamento de pensões de quatro mil e quinhentos, cinco mil euros, seis mil euros. É uma coisa que me espanta que a senhora deputada entenda que o Estado deve garantir. Por que é que o Estado há de garantir pensões de quatro mil e quinhentos, cinco mil, seis mil, sete mil euros por mês?!? (...) Esta história acontece porque nós não temos um regime de capitalização. Portanto, as pessoas não estão a pagar hoje, a fazer os seus descontos hoje para capitalizarem, para virem a receber exatamente um determinado valor de pensão que é proporcional aos descontos que fizeram. Não é assim. Chama-se a isto descontar uma verba que é muito precisa para vir a receber um valor cuja fórmula de cálculo de pensão não tem nada a ver com o que se descontou. E é por isso que há reformas que são muito elevadas e que o Estado está a pagar. À custa de défices da Segurança Social, também.»
Pedro Passos Coelho, em debate com Catarina Martins, na RTP Informação, a 11 de setembro de 2015.
O plafonamento contributivo tem ocupado lugar de destaque na discussão política dos últimos dias. Ainda que continue a ser uma expressão técnica que não cabe no entendimento da maioria dos portugueses, é bom que continue na agenda dos debates e dos comentários aos debates. Não só porque isso ajuda a que se vá fazendo alguma pedagogia junto dos cidadãos, mas também e principalmente porque este tal de “plafonamento contributivo” encerra um perigo demasiado preocupante para o futuro da Segurança Social pública e do Estado Social. Mesmo que seja “uma coisa só deles que falam na televisão”, o perigo está aí e não deve ser ignorado.

Talvez pelo facto de os cidadãos ainda não se terem apercebido do que está em jogo, assistimos a esta aposta numa nova via populista para a comunicação da ideia do plafonamento. Usa-se a designação "plafonamento das pensões" (que só aconteceria daqui a quarenta anos, depois do "plafonamento das contribuições") e acena-se com as pensões altas.

Era o que faltava.

Até porque não são as pensões altas que estão em causa, até porque essas são "boas" para o sistema, por difícil que seja de aceitar à partida. Mas já lá vamos. Há ainda muita espinha a tirar desta nova demagogia do plafonamento.

Perguntava Pedro Passos Coelho: «Por que é que o Estado há de garantir pensões de quatro mil e quinhentos, cinco mil, seis mil, sete mil euros por mês?»

Primeiro, Pedro Passos Coelho usa o mesmo discurso daqueles que trazem a questão às queixões de comentários das notícias. Para quem assim fala, a ameaça para o sistema está nas pensões altas. E quantas são essas pensões altas hoje em dia? O gráfico abaixo, retirado do último Relatório da Conta da Segurança Social (ano 2013), mostra quantas são.



Facilmente se vê. Havia, em dezembro de 2013, 560 pensões de velhice e invalidez acima dos 5594,34 euros/mês. 560 pensões num total de 1,9 milhões de pensões. Repito, quinhentas e sessenta pensões em um vírgula nove milhões. Ou seja, 0,03%. Encontram-se três pensões acima dos 5594,34 euros por cada dez mil. Três em cada dez mil.

Segundo, a pergunta de Pedro Passos Coelho tem resposta. E a própria doutrina social democrata que um dia terá servido para fundar o partido que o apoia nunca admitiria sequer que tal pergunta fosse feita. É que a Segurança Social – não só o sistema de pensões, mas toda a Segurança Social – é de todos e para todos. A Segurança Social não é a caridade para os pobres. A Segurança Social é uma rede de proteção social que assiste a todos, na cobertura de riscos sociais que a todos afetam, seja na velhice, na invalidez, na morte, no desemprego, na doença, na paternidade, na pobreza e "e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho" (n.º 3 do artigo 63.º da Constituição). É universal. Por isso, é importante, sim, que o Estado garanta pensões de quatro mil e quinhentos, cinco mil, seis mil, sete mil euros por mêsa pessoas que, pelo fruto dos rendimentos elevados de trabalho e das respetivas contribuições elevadas ao longo de dezenas de anos de carreira, possam na velhice ou na invalidez (ou ainda na morte, considerando viúvos/viúvas e órfãos) ter proteção social condigna com o esforço contributivo que tiveram.

Mas dizia Pedro Passos Coelho: «(...) para vir a receber um valor cuja fórmula de cálculo de pensão não tem nada a ver com o que se descontou.»

Não. Também não é verdade.

Tem razão quando diz que o sistema não é de capitalização (isto é, não depositamos uma contribuição que há de render uma pensão no futuro, capitalizada no casino dos mercados financeiros que tão bem conhecemos hoje). É derepartição (os trabalhadores de hoje pagam os pensionistas e beneficiários de hoje) de benefício definido. Mas não é por isso que a pensão calculada não tem nada a ver com o que se descontou. Tem e muito. Talvez importe aqui abrir um parêntesis para mostrar muito rapida e genericamente como funciona a fórmula de cálculo de uma pensão (para uma descrição mais detalhada e rigorosa de todo o processo de cálculo, consulte-se esta página da Segurança Social, designadamente na tabulação “Como calcular o valor da pensão”).



A isto, aplica-se ainda o famigerado Fator de Sustentabilidade, mas isso é já outra história. Esta parte do cálculo é suficiente para perceber que a pensão deste sistema de repartição tem, ao contrário do que dizia Pedro Passos Coelho, muito a ver com os descontos efetuados. É por isso que é um sistema justo e proporcional.

Mas também é um sistema solidário, e esse é um dos pontos que mais é posto em causa pelo plafonamento prometido. Não esqueçamos que era disso, do plafonamento, que estávamos a falar. A solidariedade do sistema de pensões tout court acontece por duas vias. Por um lado, as pensões mínimas, financiadas pelo Orçamento do Estado, garantem um valor mínimo quando da fórmula de cálculo acima resultam valores baixos. Mas o que interessa aqui falar agora, porque é isso que o plafonamento vem pôr em causa, é o que acontece do outro lado da distribuição, ou seja, do lado das pensões mais elevadas. E tudo tem a ver com a tal taxa de formação que aparecia na fórmula de cálculo como vimos ali em cima.

É mais fácil usar um exemplo. Imaginemos dois indivíduos, Alfredo e Bernardo, que começam a trabalhar hoje e se reformam daqui a 40 anos. Assumamos que as regras se mantém por todo o período (não vão manter-se, é óbvio, mas é só para percebermos como funcionam as atuais). Tanto o Alfredo como o Bernardo vão, neste exemplo, ter a sorte que parece mais improvável que ganhar o Euromilhões que é a de trabalhar durante todos estes 40 anos. E sempre a ganhar o mesmo (a preços de hoje), para tornar isto mais fácil. Só que o Alfredo ganha apenas um pouco mais do que o salário mínimo, 600 euros, e o Bernardo ganha 10 vezes mais que o Alfredo, 6000 euros ao mês. Chegados à altura da reforma, a fórmula é aplicada a ambos. Ignorando um eventual corte pelo Fator de Sustentabilidade, o Alfredo vai ter uma pensão de 549 euros e o Bernardo uma de 5027. No caso do Alfredo, a pensão (bruta) corresponde a cerca de 91,5% da remuneração. Já no caso do Bernardo, é 83,8%. Visto de outra forma, o Bernardo ganhou 10 vezes mais que o Alfredo e contribuiu 10 vezes mais que o Alfredo. Mas a pensão dele não é 10 vezes mais do que a do Alfredo. É alta, pois é, mas já é ‘apenas’ 9,2 vezes mais alta.A esta desproporcionalidade se chama (também) solidariedade. Pode-se discutir que é forte ou que é fraca, mas ela existe. E com o plafonamento praticamente desaparecerá. É que com o plafonamento, o Bernardo passará a descontar apenas sobre dois, três, quatro, cinco ou seis salários mínimos ou seja qual for o limite que a coligação insiste em não revelar. E a Segurança Social, que deixa de ver ao longo dos próximos 40 anos o excedente das suas contribuições, irá pagar, no final, uma pensão com uma taxa de substituição mais próxima da do Alfredo. Ou seja,uma pensão proporcionalmente mais cara.

Abre-se uma caixa de Pandora e isso virá a ser um péssimo negócio para a Segurança Social pública. Já para os fundos de pensões e para as instituições financeiras que os gerem, há uma oportunidade dourada no horizonte.
Publicado 1 week ago por Vítor Junqueira
Etiquetas: pensões plafonamento tv

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José Geraldes15 de setembro de 2015 às 19:10

Este assunto diz-nos respeito- Por isso é bom reflectir nas consequências do prometido plafonamento das pensões. O texto que antecede dá uma boa ajuda para a compreensão do fenómeno. Leia.Responder

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