segunda-feira, 25 de maio de 2015

Poema : (obra regª)





















Poema

QUANDO A PROSA ME INVADE A POESIA

(A TABUADA DA VIDA)

Voaram, meus ecos da infância, pelas janelas abertas da vida. Apressados, foram pelos corredores dos tempos, conhecedores de ânsias circunstanciais de desejos, que não podia entender.

No jardim, nas manhãs de Maio, alvorecia cedo e as flores ressuscitavam em ondulações suaves, a expandirem perfumes, num verdadeiro desvario. Eu corria para ver o movimento das águas do rio, e sentia que se purificavam meus verdes anos, na água coberta de ar fresco a regar a alma dos campos, como pedia o estio.

A imensa curvatura da Terra fulgurava entre o azul e o branco, e a brisa matinal roçagava-me a pele, afagando meu rosto macio, como seda natural.

Por vezes, sem saber que é a Filosofia que explica todos os segredos, deitava a cabeça na relva, e ouvia os rumores que a Terra exalava, desde o primeiro misterioso milionésimo da sua existência, (onde sempre existi, também), mesmo antes de poder lavar as mãos na alma das águas do sussurrante arroio. E o rio, lá flutuava-a-deslizar, como criatura de estranha morfologia que, à partida, apesar da fisionomia, sabia bem para onde se dirigia.

(Quando ia para a escola, não tinha feito a tabuada. E a professora, que nada percebia do mundo como eu o via, dava-me uma tremenda reguada que ela própria merecia! por nunca ter percebido nada da vida do rio e da terra, como eu os vivia.)

À tardinha, debaixo dos vergueiros que, pacientemente, esperavam a minha hora de fazer a cópia, meus pés de verão-sem-praia, mergulhavam, ternamente, na maciez flácida da água corrente; e havia entre nós uma tal cumplicidade, que até o sangue fervia na quieta melancolia do lápis- a- escorrer- palavras, pela página da cópia fria.

A Lua chegava mais tarde. Nunca soube fazer as contas à distância a que ela se encontrava, que me poderiam permitir chegar até à sua face; mas ela fazia-me sinal de longe apontada à janela, e dizia que eu tinha que estar na terra, para que as estrelas não acordassem a noite e eu me cruzasse com elas.

Nem só de contas, tabuadas e cópias vive a imaginação das crianças. Também falava de mar, o livro onde, pela primeira vez, o vi. Imaginava-o como um grande lago prateado onde milhares de escamas de peixe bailavam no cume das ondas, ao sabor da força dos ventos. Muito tempo depois das tabuadas malvadas, soube da sua imensidão, ali…perante a grandiosidade da minha imaginação, que era, agora, verdade. E soube, que ele tinha servido de via aos meus antepassados, que sonharam com ânsia o conhecer-lhe os segredos…

Minhas novas pegadas passaram, então, a estender-se pelos areais da vida, com trinados de andorinhas que ‘inda fazem os ninhos nos beirais arruinados da velha casa que me viu Acontecer.

Os homens continuam a ver o Tempo correr, sem saberem a tabuada da vida descomplicada-que-me-ajudou-a-viver.

Hoje, pergunto-me por que passam fome e sofrem guerras fatais, as crianças do mundo que me deixou ser inocente e sorrir, como borboleta-do-devir…por que foram os homens à Lua dos meus sonhos irreverentes…por que adormeceu Deus…por que não aprendem, os homens, a tabuada da PAZ…

Como seria voltar a molhar os pés no velho rio de deslumbrantes peixes, banhados pela luz da minha Lua…a Lua-de-Antes…de quando eu não sabia a tabuada, mas conhecia os ninhos de memória… as flores bravas que germinavam no meio das sementes…a água lavada que corria pelos campos de milho…o húmus da terra plantada, onde a vida regenerava, naquele dia, àquela hora, naquele sítio-de-Outrora?

Maria Elisa Ribeiro
Abril/015

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