terça-feira, 24 de junho de 2014












Saem os que sofrem, não os que sobram
Publicado ontem


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A frase saiu da boca de um autarca transmontano com a velocidade de uma seta: "Aqui, estamos a vender edifícios que antes eram escolas para financiarmos o alargamento de cemitérios". Falávamos dos problemas do interior do país. Falávamos da força que resta aos que lá ficaram para tentar partir um círculo vicioso que parece inquebrantável. Falávamos da força política que reclama, todos os dias, a união de municípios e respetiva comunhão de objetivos estratégicos. Falávamos de quão decisiva é a necessidade de manter a identidade de cada povo e de cada sub-região. Falávamos disto sabendo que tudo isto é discussão sem correspondente decisão, seja porque, depois da conversa e da lamúria, cada um tende a olhar de novo para o umbigo, seja porque os que levantam o olhar batem com ele na montanha chamada Estado.

O Instituto Nacional de Estatística (INE), essa entidade que teima em fazer-nos descer à terra usando números, esses malditos indicadores da realidade, acaba de nos dizer o seguinte: em 2013, foram 54 mil os portugueses que emigraram por um período igual ou superior a um ano. Em apenas cinco anos, o volume de saídas triplicou! Mais: se somarmos o número de emigrantes permanentes (intenção de ficar pelo menos um ano fora) aos chamados temporários (intenção de ficar menos de um ano fora), conclui-se que, no ano passado, 128 mil portugueses emigraram.

Traduzindo por miúdos: do contingente que optou por tentar encontrar lá fora a felicidade que perdeu cá dentro, quatro em cada dez fizeram-no de forma permanente. Quer dizer: perderam a última réstia de esperança, deixaram para trás uma vida construída (ou em construção), para buscarem uma outra, uma qualquer outra, que lhes permita viver o sonhado, ou, no mínimo, lutar por isso.

Como é evidente, estamos longe do pior. Porquê? Porque os emigrantes temporários tenderão a transformar-se em permanentes, por um lado. E porque, por outro, é claro que o número de permanentes tende para subir e não para descer. Trata-se de uma espécie de imparável rodízio que, mais depressa do que devagar, está, literalmente, a refazer (ou a desfazer?) um país chamado Portugal.

Bem podemos (devemos) chamar para este palco os bons exemplos construídos pelos que resistem, pelos que ficam e arriscam, pelos que se agarram com vontade e coragem ao que sobra. Isso não evita o óbvio: o nosso país está a transformar-se numa outra coisa, ainda sem definição clara, nem rumo certo. Ocorre que esse movimento, porventura imparável, é feito sem uma boa parte dos "seus". A História repete-se: "Em Portugal, a emigração não é, como em toda a parte, a transbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre". Eça continua, tristemente, a ter razão.

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