quarta-feira, 27 de novembro de 2013


O pensamento de Antero de Quental em um minuto
Filed under: cultura,filosofia,Ut Edita — O. Braga @ 7:52 am
Tags: metafísica, naturalismo, panteísmo




O pensamento de Antero de Quental repele-me, como o azeite repele a água, tanto do ponto de vista formal, como do de conteúdo.

Desde logo, e do ponto de vista formal, penso ser de mau gosto — digamos assim, e fiquemos por aqui — fazer filosofia utilizando a prosa poética. Não digo que a poesia não seja filosófica. Muita dela, é; mas a poesia é filosofia sem a lógica. E, ou fazemos filosofia sem lógica (poesia), ou fazemos filosofia propriamente dita utilizando devidamente a lógica. Misturar as duas coisas é sofismo.



O sofismo de Antero de Quental decorre dessa mistura entre a poesia e a filosofia; e esse sofismo caracteriza-se por uma habilidade genial de se poder dizer uma coisa e o seu contrário utilizando uma linguagem cultíssima, um vocabulário riquíssimo, e um discurso poético enleante que cativa menos a razão do que a emoção. Ora, isto não é filosofia. Filosofia não é meras palavras: é sobretudo símbolos que têm significados precisos.

Do ponto de vista do conteúdo, Antero de Quental faz parte da geração dos “pensadores do instinto” — aqueles que seguiram, mais ou menos, Henri Bergson. Por exemplo, Fernando Pessoa e Leonardo Coimbra, entre outros. Só que o pensamento de Antero de Quental consegue ser menos racional do que os de Fernando Pessoa ou Leonardo Coimbra. E quando digo “menos racional” não quero apenas dizer “absurdo”: é mais do que absurdo: é estúpido. A estupidez não é apenas a negação da lógica: é sobretudo a tentativa de sublimar e celebrar essa negação.

Antero de Quental mistura o panteísmo da “substância”, de Espinoza, com o monismo de Hegel, com a “filosofia do instinto” de Bergson, com o evolucionismo de Spencer, e para arrematar a mistela, adiciona-lhe uma pitada de Averróis. E é este caldo que eu considero intragável. Por exemplo, Antero de Quental considera o progresso como uma lei da natureza(não admite o retrocesso civilizacional, ou o decaimento do Homem):


“Uma bússola só, por fatídico condão, aponta o norte e o sul. Mas não é a civilização dum ou outro século, a tradição desta ou daquela raça, o absoluto que uns sonham para que outros acordem em face do nada — um código ou uma religião —. É o secreto instinto da vida! A revelação natural! A voz da lei humana!

É-se pagão ou turco, é-se judeu ou cristão — mas, antes de tudo, sobre tudo, é-se homem.

Sê-lo (na ideal, na mais alta e completa expressão deste imortal desejo) eis aí a ânsia da humanidade, a febre que faz agitá-la em tantos e tão desvairados sentidos, a chave do grande enigma chamado História. Os cultos, as sociedades são apenas os degraus que ajudam e, quando abandonados, ficam marcando os períodos desta compassada ascensão.

Não se é homem para levantar religiões e impérios. Impérios e religiões fazemo-los só a ver se somos homens um pouco mais e um pouco melhor.”

— “Obras Completas de Antero de Quental” [A Bíblia da Humanidade de Michelet, VII, 20-35], edição da Universidade dos Açores, 1991

Mas depois, e utilizando a sua genial capacidade de articulação da língua portuguesa, por um lado, e a prosa poética, por outro lado, Antero de Quental é capaz de insinuar o contrário daquilo que tinha afirmado há linhas atrás. Esta ambiguidade de Antero de Quental faz-me “pele de galinha”; fico com os cabelos em pé. Não foi por acaso que Antero de Quental meteu um tiro na cabeça: mesmo o que acontece por acaso (o acidental) tem uma razão essencial que o transcende.

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