Carta a Adriano Moreira
(no dia em que passam seis meses pela partida do seu filho Nuno)
1.
Lembro-me de um dia ter-me dito que só a morte de um filho seria inultrapassável.
Estávamos a falar do Tempo de Vésperas, um livro memorialístico que escreveu há longos anos.
O professor tinha-mo oferecido e eu li-lhe alto a frase sobre o envelhecimento e o amor, recorda-se? – “não envelhece quem envelhece ao nosso lado”, não sei bem se a citação era esta, mas é assim que existe em mim.
Falámos do amor e do envelhecimento nessa conversa na Sociedade de Geografia. E foi aí
que me falou da académica hipótese, do horror de ver partir um dos seus seis filhos.
2.
Disseram-me ao chegar a casa, faz hoje seis meses.
Sentei-me para recuperar, o seu Nuno tinha morrido de morte súbita, sem aviso, nada de nada.
O Nuno que o senhor tanto amava e protegia. Falou-me dele várias vezes por termos mais ou menos a mesma idade, eu era um ano mais velho.
Não me esqueço, professor.
“Tem que conhecer o Nuno, apesar de imaginar que se identifica mais com a Isabel. É uma pessoa boa o meu filho Nuno”
3.
Nunca o conheci.
Ele estava em sua casa quando lá almocei, o célebre almoço em que o senhor e Mário Soares se convenceram de que Cabo Verde poderia ser membro da União Europeia – se a Turquia entrasse como porta da Ásia porque não Cabo Verde ser uma porta para África?
Eu era diretor de A Capital e testemunhei o encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde. E a simpatia do Nuno. Um homem bonito, com um sorriso bonito.
4.
Na Sociedade de Geografia o Professor quis-me falar um pouco mais dos seus filhos.
Todos filhos únicos.
Seis filhos únicos.
A Isabel, menina dos seus olhos. Endiabrada, inclassificável, obstinada, livre.
A Mónica, o João, a Teresa e o António.
Mais o Nuno que era tão próximo de si, tão respeitador dos seus passos, democrata-cristão como os antigos democratas-cristãos, um homem que acreditava em velhos valores conservadores, que encontrava o silêncio de que precisava na missa e na família, um homem que respeitava e dialogava com pessoas de esquerda por talvez acreditar que a soma das partes fosse sempre maior do que uma conta de diminuir.
O professor orgulhoso contou-me da proximidade de Isabel e de Nuno. Tão politicamente diferentes, tão próximos, tão irmãos.
Fiquei a gostar dele.
E convenci-me de que um dia seria o dia de o conhecer. Combinámos que isso seria possível na conversa mais íntima que tivemos…
“Só a morte de um filho seria inultrapassável”
Confessou entre palavras sobre feridas do passado e memórias do futuro.
5.
Querido Professor, meu amigo, o Nuno partiu sem qualquer aviso, faz hoje seis meses.
É inultrapassável.
Para si e para a mãe Isabel a tristeza é irremediável.
Nenhum pai ou nenhuma mãe deveria assistir à morte de um filho.
Não há sequer uma palavra que possa ilustrar tal ignomínia
Mas temos de prosseguir a viagem. Com os nossos cemitérios privados onde repousam as flores mais belas. Eu acredito muito nisso.
Espero-o num lugar onde possamos conversar em silêncio.
Até já.
LO
(no dia em que passam seis meses pela partida do seu filho Nuno)
1.
Lembro-me de um dia ter-me dito que só a morte de um filho seria inultrapassável.
Estávamos a falar do Tempo de Vésperas, um livro memorialístico que escreveu há longos anos.
O professor tinha-mo oferecido e eu li-lhe alto a frase sobre o envelhecimento e o amor, recorda-se? – “não envelhece quem envelhece ao nosso lado”, não sei bem se a citação era esta, mas é assim que existe em mim.
Falámos do amor e do envelhecimento nessa conversa na Sociedade de Geografia. E foi aí
que me falou da académica hipótese, do horror de ver partir um dos seus seis filhos.
2.
Disseram-me ao chegar a casa, faz hoje seis meses.
Sentei-me para recuperar, o seu Nuno tinha morrido de morte súbita, sem aviso, nada de nada.
O Nuno que o senhor tanto amava e protegia. Falou-me dele várias vezes por termos mais ou menos a mesma idade, eu era um ano mais velho.
Não me esqueço, professor.
“Tem que conhecer o Nuno, apesar de imaginar que se identifica mais com a Isabel. É uma pessoa boa o meu filho Nuno”
3.
Nunca o conheci.
Ele estava em sua casa quando lá almocei, o célebre almoço em que o senhor e Mário Soares se convenceram de que Cabo Verde poderia ser membro da União Europeia – se a Turquia entrasse como porta da Ásia porque não Cabo Verde ser uma porta para África?
Eu era diretor de A Capital e testemunhei o encontro com o ministro dos Negócios Estrangeiros de Cabo Verde. E a simpatia do Nuno. Um homem bonito, com um sorriso bonito.
4.
Na Sociedade de Geografia o Professor quis-me falar um pouco mais dos seus filhos.
Todos filhos únicos.
Seis filhos únicos.
A Isabel, menina dos seus olhos. Endiabrada, inclassificável, obstinada, livre.
A Mónica, o João, a Teresa e o António.
Mais o Nuno que era tão próximo de si, tão respeitador dos seus passos, democrata-cristão como os antigos democratas-cristãos, um homem que acreditava em velhos valores conservadores, que encontrava o silêncio de que precisava na missa e na família, um homem que respeitava e dialogava com pessoas de esquerda por talvez acreditar que a soma das partes fosse sempre maior do que uma conta de diminuir.
O professor orgulhoso contou-me da proximidade de Isabel e de Nuno. Tão politicamente diferentes, tão próximos, tão irmãos.
Fiquei a gostar dele.
E convenci-me de que um dia seria o dia de o conhecer. Combinámos que isso seria possível na conversa mais íntima que tivemos…
“Só a morte de um filho seria inultrapassável”
Confessou entre palavras sobre feridas do passado e memórias do futuro.
5.
Querido Professor, meu amigo, o Nuno partiu sem qualquer aviso, faz hoje seis meses.
É inultrapassável.
Para si e para a mãe Isabel a tristeza é irremediável.
Nenhum pai ou nenhuma mãe deveria assistir à morte de um filho.
Não há sequer uma palavra que possa ilustrar tal ignomínia
Mas temos de prosseguir a viagem. Com os nossos cemitérios privados onde repousam as flores mais belas. Eu acredito muito nisso.
Espero-o num lugar onde possamos conversar em silêncio.
Até já.
LO
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