domingo, 30 de dezembro de 2018

Poema dedicado a Maria Lamas


POEMA DE ORLANDO DA COSTA PARA MARIA LAMAS (1955)
Porque trazes na voz a voz das companheiras
Companheira te chamamos
Porque no teu olhar se alargam os olhos que semeiam e vigiam
o sol a todas as alturas, o sol dos meninos e das colheitas
Porque nele se tornam mais límpidos os olhos das namoradas
Companheira te chamamos
Porque nele gelam as lágrimas do medo e da dor
Gelam e estalam desfeitas num pranto de calor
Porque nos teus olhos continuam acesos os olhos vendados de encontro às paredes
Porque trazes no peito o sopro das nossas irmãs
O sopro resoluto do trabalho, o verde e dourado sopro que branqueia o pão
O sopro das que amam
E amando crescem e envelhecem ao nosso lado
Das que amam
E amando tombam em cada dia num só momento por milhões partilhado
Porque caminhas na terra dividida
Por uma estrada aberta pelo esforço dos povos
Onde cada presença é um apelo e cada apelo uma conquista
Porque até o sol remoça na neve tranquila dos teus cabelos
E o vento sopra-te com a mesma força que a nós
Companheira te chamamos
Porque as palavras na tua boca
Têm a medida do mundo e a face dos mortais
Porque no teu ventre a fome e a vida se completam
Porque no teu rosto fala o tempo até nós
Mãe te chamaríamos
Companheira te chamamos
poema de 1955, à data com publicação proibida
in Sete Odes do Canto Comum
(guardado no espólio da PIDE, na Torre do Tombo), recolhido pela Doutora Regina Marques,
lido na Homenagem a Maria Lamas,
na Biblioteca-Museu República e Resistência

Sem comentários:

Enviar um comentário