"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
domingo, 10 de dezembro de 2017
LITERATURA PORTUGUESA: OS HETERÓNIMOS DE FERNANDO PESSOA (FP) - (CONT.)
LITERATURA PORTUGUESA: OS HETERÓNIMOS DE FERNANDO PESSOA (FP) - (CONT.)
FERNANDO PESSOA (FP):
O HETERÓNIMO ÁLVARO de CAMPOS (AC):
Afirma o PROFESSOR CARLOS REIS:”Se a poesia de AC é, em muitos casos, o lugar de encenação de um febril entusiasmo modernista (na mais literal acepção do termo), ela acaba por conduzir, também, a estados de espírito em que o desencanto e o tédio são dominantes (…)
In”Literatura Portuguesa Moderna e Contemporânea”, UA, 1990.
Nesta viagem que nos tem levado a conhecer, um pouco melhor, o grande poeta português FP, paramos, hoje, em Álvaro de Campos, o heterónimo das SENSAÇÕES FUTURISTAS, cuja poemática se pode dividir em três fases distintas: a fase DECADENTISTA, a fase FUTURISTA-SENSACIONISTA e a fase do CANSAÇO (PESSIMISMO).
Devo dizer que há estudiosos da obra pessoana que consideram outro tipo de divisão da poesia de AC. Pessoalmente, como estudiosa e amante de Pessoa, opto por esta que acabo de enumerar.
FASE DECADENTISTA: -Um único poema, “OPIÁRIO”, a identifica. Na vida, todos temos momentos melhores e momentos piores; por vezes, até nos escapa dizer: “ Que droga de vida!”Procuramos, então, se desejamos ultrapassar as agruras, encontrar soluções morais, espirituais, sociais, de simples vivências remodeladas…E umas vezes “a coisa” parece dar uma volta para mais tarde, voltar ao mesmo! Nada nos satisfaz, senão no momento…Somos incompletos, insatisfeitos, imperfeitos, indagantes, angustiados, delirantes…Eu sei lá que mais!
E ,na maior parte das vezes, por todos esses motivos e mais alguns, enveredamos por caminhos ínvios, que denigrem a nossa condição social e o nosso estatuto de seres pensantes.
Uns procuram refúgio às margens da dignidade humana com drogas, vinho e o cometer de actos indignos; outros, como FP (que também abusava dos seus copitos!), refugiam-se em “vidas” quase paralelas à vida, na POESIA, na música, na leitura, nas artes …E aqui, volto a AC, que se refugiou na poesia de todo o tipo de SENSAÇÕES!
( É útil ,para o nosso artigo, recordar aos leitores os tempos conturbados ,a que já me referi, noutro artigo, do contexto nacional e europeu: o ULTIMATO INGLÊS, a crescente industrialização da EUROPA, com as piores consequências a níveis social, político e económico, as revoluções para implantação da REPÚBLICA, os conflitos anglo-germânicos que culminaram com o eclodir da 1ª Grande Guerra…etc.
No poema “OPIÁRIO” AC encontra-se a bordo de um grande paquete transatlântico, no Canal do Suez, e logo na 1ª quadra diz-nos que procura, para a sua angústia, um remédio, “uma droga” que estará, presumivelmente, num “…Oriente a o oriente do Oriente…”Atenção que “estas drogas” e “estes ópios” são Metáforas de Vida, de calma, harmonia e descanso interiores .No poema, AC declara-se, abertamente, um decadente, cansado de problemas, à procura de um recanto onde possa ser feliz, como qualquer outro ser! O poema é em estilo confessional, brusco, animado e até divertido, agrupado em quadras de versos decassílabos, à maneira da poesia tradicional portuguesa, neo-garrettiana.Foi dedicado ao seu amigo, o poeta Mário de Sá-Carneiro (1890-1916) que se suicidou, em Paris. Vejamos alguns exemplos dos versos deste poema, (de que aconselho a leitura):…”…E afinal o que quero é fé, é calma,/ e não ter estas sensações confusas./Deus que acabe com isto! Abra as eclusas!-e basta de comédias na minh’alma!/”
A fase seguinte de AC, em termos de poesia, é a do Modernismo Vanguardista –Sensacionista!
Afinal, o que é preciso é SENTIR TUDO DE TODAS AS MANEIRAS! Fosse a força da explosão dos motores das fábricas e dos carros, a força da velocidade ou das engrenagens, os ruídos ensurdecedores da vida industrial…
Bem, vemos que a decadência era isso e não dava mais nada! Começam a surgir poetas e ideias que relevam AS SENSAÇÕES como o modo de se poder ser feliz e menos entediado. Um destes homens é um italiano, de seu nome MARINETTI, que AC seguiu de tal modo, que parecia ter encontrado a resposta de totalização de todas as possibilidades da sua humanidade. Mas, MARINETTI não foi o seu maior inspirador desta fase. Quem, verdadeiramente o influenciou, foi o poeta norte-americano WALT WHITMAN (1818-1892), seu émulo desde que o estudou na África do Sul, poeta que celebra a natureza humana e a vida, em geral, dentro de um certo panteísmo e um ideal de unidade cósmica que o EU representa. Na poesia, introduz uma nova subjectividade na concepção poética, que transforma essa poesia num hino à vida.
De notar que Alberto Caeiro também foi um sensacionista! Mas com uma diferença muito importante: Caeiro considerava a sensação captada pelos SENTIDOS como a única realidade, rejeitando o pensamento! Álvaro de Campos (AC) é racional, é engenheiro, é técnico…
Vejamos alguns versos de dois textos emblemáticos desta fase, “ODE TRIUNFAL” e “ODE MARÍTIMA”:”…Eia comboios, eia pontes, eia hotéis à hora do jantar! / Eia aparelhos de todas as espécies, férreos, brutos, instrumentos de precisão, aparelhos de triturar, de cavar, …/EIA! Eia!eia!/Eia todo o passado dentro do presente!/Eia túneis, eia canais, Panamá,Kiel, Suez!/
Ah não ser eu toda a gente e toda a parte!”
Resumindo a 2ª fase: amor ao triunfo da máquina e da força mecânica, na civilização moderna! Amor à beleza da força e da máquina por oposição à normal concepção de beleza! Sensacionismo “ sentir tudo de todas as maneiras”!
Na 3ª fase literária de AC, o pessimismo retorna! Afinal, nada contribuiu para que ele se transformasse num ser, relativamente feliz, relativamente normal, emocionado perante a vida…Sente-se cansado, abúlico, pessimista como nunca, amargo e angustiado…Voltou o espírito de abatimento do período decadentista.Mas, diferente do decadentismo pós-simbolista da 1ª fase, pois esta nova “decadência”, digamos assim, traduz uma REFLEXÃO INTIMISTA e angustiada de quem apenas sente o vazio, depois da “caminhada heróica”.
Encontramos poemas como “Esta velha angústia”, “Apontamento”, “Lisbon revisited”, “Dactilografia” e esse monumento poético que é o poema “TABACARIA”, entre outros. A temática é a do desapontamento, do cansaço da vida, do aborrecimento de tudo e por todos os motivos, que se revelam em versos como estes, a seguir:” Esta velha angústia…que trago em mim há séculos…transbordou…Mal sei como conduzir-me na vida…com este mal-estar a fazer-me pregas na alma…Este pode ser…Este quase…ISTO! “ E ainda: Não, não é cansaço…É uma quantidade de desilusão/Que se entranha na espécie de pensar, / É um domingo às avessas do sentimento…/ “ O que há em mime sobretudo cansaço…Um supremíssimo cansaço,
Íssimo, íssimo, íssimo…Cansaço!/”
FERNANDO PESSOA: um mundo! Não se esgota! Não custa saber alguma coisa sobre o grande POETA, lido, traduzido e estudado, em vários- muitos! países do mundo!
Mª Elisa Rodrigues Ribeiro
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