quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A CENSURA , EM PORTUGAL DE ABRIL NAS "MÃO DE UMA DIREITA" PIOR QUE A DE ANTES DE ABRIL...




OPINIÃO
O efeito resfriador


RUI TAVARES

05/11/2014 - 05:54







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TÓPICOS

Política científica
Universidades
Internet
Universidade de Coimbra




A Análise Social, revista propriedade do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, mas com órgãos editoriais próprios, preparou um número sobre o tema das desigualdades. Nesse número incluiu um “ensaio visual” composto de um pequeno texto sobre o regresso da política aos graffiti nas ruas e um dossier com algumas imagens dos mesmos — ambos preparados por um especialista na matéria. Invocando que algumas dessas imagens são grosseiras, o diretor do ICS decidiu retirar a revista da internet e da circulação em papel.

Lamentavelmente, não há volta a dar: este foi um caso de censura. Não está aqui sob questão o interesse académico do tema, a competência científica do autor ou a possibilidade de a equipa editorial da revista fazer escolhas editoriais. Todos esses critérios se verificam positivamente. Ao tomar uma decisão de suspensão ao arrepio dos órgãos da revista, o diretor do instituto violou a autonomia da publicação, que — é bom lembrar — serve para proteger ambos os lados. Ao fazê-lo quando a revista se encontrava já pronta para publicação, violou o direito à liberdade de expressão, protegida pela Convenção Europeia de Direitos Humanos que proíbe especificamente a ingerência de autoridades públicas na publicação de informações e ideias. Mesmo que o tenha feito com base na “proteção da honra ou dos direitos de outrem” prevista na mesma Convenção (um dos graffiti mencionava os nomes de vários homens ricos e poderosos e terminava com um palavrão), o proprietário teria de agir segundo um processo legal, e não de forma discricionária.

Os efeitos do caso são também os típicos na censura. No imediato, o escândalo chama a atenção para o que se queria evitar. O nome da revista e da instituição saem manchados. A mais longo prazo dá-se o “efeito resfriador” sobre a liberdade de expressão que é a auto-censura: investigadores e editores evitarão certos temas (ou documentos) para terem a garantia de que serão publicados sem problemas. Isso é o mais preocupante.

Uma nota pessoal. Fiz o meu mestrado no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa — por ironia do destino, com uma tese sobre censura. Tenho ligações profissionais e de amizade com muitos dos investigadores do instituto, e um interesse indireto na harmonia e no prestígio da instituição. Mas, se o efeito resfriador da auto-censura me preocupa, não posso deixar que ele comece por mim.

Segunda nota pessoal. Antes de escrever esta crónica chegou a notícia de que noutra instituição de ensino superior — a Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra — o diretor impossibilitou a realização de um debate, em que participaríamos Pedro Mexia e eu mesmo, por considerar que esse debate seria “ideológico” (graças ao Núcleo de Estudantes de Direito de Coimbra o debate terá lugar, hoje mesmo, mas em Matemáticas).

Decididamente, prefiro a censura só na ótica do estudioso. Mas é também nessa ótica que não acredito que estejamos a passar apenas por casos isolados. A crise que estamos a viver prolonga certas tendências modernas — a dependência das instituições em relação ao poder económico — e outras históricas — a preferência portuguesa pela “neutralidade” em detrimento do pluralismo — que sugerem que o efeito resfriador já está aí e vai ser reforçado.

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