HUMBERTO DELGADO
Militar, político – 1906 - 1965
Rolando Galvão
OBVIAMENTE, DEMITO-O...
QUANDO TUDO ACONTECEU...
1906: Em Brogueira, Torres Novas, nasce Humberto da Silva Delgado. - 1922: Entra na Escola do Exército. - 1925: Finaliza o Curso Militar. - 1926: Participa na Revolução de 28 de Maio. - 1939: Emissão e publicação da sua peça "O Estado Novo" - 1952: Nomeado Adido Militar em Washington - 1953: Promovido a General (o mais novo das Forças Armadas) -1958: Candidato à Presidência da República. - 1959: É suspenso e demitido das Forças Armadas; asila-se na Embaixada do Brasil e depois exila-se para aquele país. -1961: Assume a responsabilidade pelo assalto ao "Santa Maria"; participa na Revolta de Beja. - 1962: É julgado à revelia como implicado no assalto ao "Santa Maria". - 1963: Instala-se na Argélia e assume a chefia da Junta Patriótica de Libertação Nacional. - 1964: Deixa a JPLN e funda a Frente Portuguesa de Libertação Nacional. - 1965: É assassinado pela PIDE nos arredores de Olivença. - 1990: Nomeado, a título póstumo, Marechal da Força Aérea.
OBVIAMENTE, DEMITO-O...
O Café Chave de Ouro está repleto. Estamos a 10 de Maio de 1958, a um mês das eleições para a Presidência da Republica. Primeiro acto público com a presença do Candidato Humberto Delgado depois de iniciado oficialmente o período eleitoral.
À nossa volta personalidades de todos os matizes políticos que se opõem ao regime salazarista. E certamente não só. A Polícia Política, de uma forma ou de outra não deixará de aí ter ouvidos e olhos para, como usualmente, saber o que se passa e com quem se passa...
O professor Vieira de Almeida, o primeiro orador, com o brilhantismo que levava às suas aulas gente de todas as escolas superiores de Lisboa, depois de referir a surpresa enorme que teve pela sua investidura como Presidente da Comissão Nacional da Candidatura, considera-a explicada pela presença de tantas pessoas que representam tão diversas correntes de opinião.
Faz de seguida a apresentação de Humberto Delgado, General, candidato independente. Não procura o apoio de partido algum. Apresenta-se sem compromissos partidários. Aceita o apoio de todos os homens de boa vontade. Desassombradamente, sem desconhecer o risco que corre. Explica que tal não significa que se considerem em si mesmos ilegítimos os partidos. Pelo contrário.
Acrescenta que "a decisão de apresentar a candidatura é tanto mais meritória quanto as condições são nitidamente desfavoráveis".
Ergue-se Humberto Delgado. A expectativa não pode ser maior. A sala está suspensa do que seguirá. Os minutos seguintes justificam-na, se todo o cenário não a tivesse justificado já.
O General começa por agradecer as variadas presenças. Propõe-se responder às perguntas dos jornalistas. Critica o Governo e a União Nacional pela sonegação dos cadernos eleitorais à oposição. O que "integra a tendência de todas as ditaduras para a crueldade". Prossegue:
"O Governo não abranda as suas tradicionais perseguições à oposição".
Refuta a referência de determinado jornal à sua candidatura como sendo apoiada por uma potência estrangeira a que contrapõe o carácter indiscutivelmente nacionalista da sua posição desde sempre. Surge a primeira pergunta, do correspondente da France Press.
"Qual a sua atitude para com o Sr. Presidente do Conselho se for eleito?"
E a resposta, imediata, enérgica, sem uma hesitação, sem um tremor:
"Obviamente, demito-o".
É difícil acreditar no que estamos a ouvir. Mais que uma frase, é uma bomba. Uma revolução. Por terra a muralha que se opõe ao sacrilégio de dizer em público palavras agressivas ou menos respeitosas para com o "Chefe Supremo".
Rebentar da bomba que verdadeiramente inicia o caminho que o introduz na História, e lhe carreia o cognome de "General sem Medo".
"Sem medo" contagiante que liberta de muitos medos. E cria outros que o tempo mostrará.
O HOMEM E O PASSADO
Humberto da Silva Delgado nasce em 1906 em Brogueira, Torres Novas.
Termina o Colégio Militar em 1922 e entra na Escola do Exército onde consegue o primeiro lugar no final do curso de Artilharia em 1925. No posto de tenente frequenta o curso de piloto aviador e segue a carreira aeronáutica. Apoia o movimento de 28 de Maio, desempenha cargos na Legião Portuguesa e faz parte do Conselho Técnico da Mocidade Portuguesa.
Publica várias obras. Entre outras, "Da Pulhice Do Homo Sapiens", "Aviação, Exército, Marinha, Legião", "Aeronáutica Portuguesa", "A marcha para as Índias". Em 1939 a peça de teatro "28 de Maio", radiodifundida pelo Rádio Club Português, é publicado sob a forma de livro nesse mesmo ano.
Nomeado Director-Geral da Aeronáutica Civil, tem papel importante na criação da TAP- Transportes Aéreos Portugueses.
Desempenha com todo o mérito papel importantíssimo nas negociações para instalação das Bases Aliadas nos Açores.
Aos 47 anos é o mais novo general das Forças Armadas Portuguesas. Um ano antes ocupara o lugar de Adido Militar em Washington.
Condecorado por Ingleses e Americanos pelo apoio que dá à causa dos Aliados e pelo contributo para o bom relacionamento com Portugal.
A rotura com o Estado Novo não surge de maneira precisa, mais ou menos relacionada com factos ou situações definidas. Não se descortina claramente um possível processo evolutivo.
Em entrevista ao jornal "Republica", durante o período eleitoral de 1958, o entrevistador qualifica-o como "um dos elementos mais destacado da actual situação". Replica que as suas funções são vincadamente de tipo militar, não passam do campo profissional, militares em geral, aeronáuticas em especial. "Sou um homem do 28 e não do 29 de Maio". Explica a mudança pela "transformação da dureza do provisório em definitiva, que nunca constou do programa". A ditadura "aceita-se como um termocautério para tratar um abcesso, acção intensa mas de curta duração". Anota a influência que a estadia nos Estados Unidos teve no seu espírito, na inclinação para um sentido liberal, que já vem de trás.
Em 1950, possivelmente reagindo à prisão de Henrique Galvão, amigo de longa data, escreve algumas linhas sobre o carácter autoritário de Salazar; se não é a primeira demonstração do começo do afastamento, é certamente das primeiras.
Medeiros Ferreira dirá mais tarde, num suplemento do jornal "Publico", que já em 1956 Humberto Delgado seria falado como possível contrapeso ao excessivo e concentrado poder de Salazar e do seu Ministro Santos Costa.
O Marechal Costa Gomes irá referir, em livro, conversas com o General em que este manifesta um certo espírito democrático e refere a necessidade de mudança. A sua admiração por Salazar, porém, é patenteada em variadíssimas circunstâncias. Na página inicial de um exemplar do livro "28 de Maio" que lhe oferece (propriedade actual do Dr. José Nunes dos Santos) em dedicatória escrita pelo punho do então capitão aviador, chama-lhe "cúpula da palpitação revolucionária e patriótica do Povo Português". A peça, escrita a pedido não diz de quem, é um hino ao 28 de Maio, enaltecido e glorificado ao longo das páginas, desde o prólogo, onde lhe chama "guerra de redenção" e dia de glória, até ao final, prenhe dos usuais "quem manda" e "vivas", com o hino nacional por fundo. O conteúdo, pretendendo retratar a resistência a uma acção revolucionária contra o regime, apresenta a curiosidade de a personagem principal, o capitão Hersílio Silva, corresponder na sua devoção, na sua bravura, ao retrato que usualmente é feito de Humberto Delgado, como homem e como militar.
Uma pequena e saborosa cena: é necessário um voluntário para acção perigosíssima; vários oficiais oferecem-se. Hersílio, como comandante, decide que terá de se tirar à sorte. Usa para isso quatro pequenos bocados de papel, onde ele, Hersílio, escreve o nome de cada um. É tirado um dos papeis e cabe-lhe a ele executar a acção em causa, que terá o resultado temido. Após o trágico seguimento constata-se que ele havia escrito o seu nome em todos os bocados de papel... Cena que não destoa do conceito que lhe cria o epíteto de "General sem Medo".
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