sexta-feira, 25 de março de 2011

Memórias literárias: 50 anos do romance "Aparição" de Vergílio Ferreira




Completaram-se, no passado ano, os 50 anos da publicação da obra de VERGÍLIO FERREIRA (VF), “APARIÇÃO”. Não permiti, como Professora de Português, deixar passar, em branco esta data, pelo valor do autor, como escritor e da obra, em particular, pelo que representa no estudo do EXISTENCIALISMO português, de meados do século passado.
Embora tenha já publicado no blogue e nos jornais onde escrevo, durante o presente ano, um texto sobre VF, nascido em 1916 e falecido em 1996, não quis chegar ao fim do ano passado, sem lembrar esta data, pelo amor que tenho à obra do escritor, de um modo geral, pelo respeito que me merecem as Doutrinas Existencialistas e pela riqueza literária desta obra, em particular.
No ano posterior à sua publicação, em 1960, por conseguinte, foi VF agraciado com o Prémio Literário “CAMILO CASTELO BRANCO”, tal o impacto de “APARIÇÃO” nos meios literários nacionais. Outros prémios se seguiram, dos quais destaco: em 1985 -“Prémio do Centro Português da Associação Nacional de Críticos Literários”; em 1990, Prémio Femina; em 1991, Prémio Europália; em 1992,o significativo PRÉMIO CAMÕES…
Declaradamente agnóstico, mais para o fim da sua vida, embora de formação católica, tendo, inclusivamente, frequentado o Seminário durante mais de 6 anos, é com o romance “APARIÇÃO” que VF se apresenta como um ser humano angustiado com o problema da existência de DEUS e com a verdade fatal que a todos atinge, na figura sinistra da MORTE.
Li esta obra muito cedo, talvez cedo demais para compreender com maturidade o “recheio” filosófico da mesma. O romance nada me dizia e só a minha teimosia me fazia voltar à página anterior, constantemente, para perceber de que tipo de” aparição” aquilo tratava…
Nos programas do 12º ano de PORTUGUÊS de 1996, esta e outras obras entraram como alternativa, de leitura obrigatória! Enveredei pela escolha desta obra , com uma responsabilidade extrema, como se pode calcular, pois os alunos tinham que perceber, comigo, par a par, o tema que, finalmente, percebi que tínhamos em mãos! “APARIÇÃO”, afinal, não era nenhum fantasma…SANTO DEUS! Quanto andei, para lá chegar…
A “APARIÇÃO” É... nós, seres humanos, é cada um de nós, de cada vez que vencemos etapas da nossa realização pessoal, a caminho do aperfeiçoamento, possível e permitido, por Alguém Superior ao homem! É cada um de nós, aos nossos próprios olhos, sempre que afastamos os escolhos que nos impedem de nos cumprirmos! (capítulo II, página 23, 18ª edição, BERTRAND): ” Meu pai optou… Mas eu, sentia como sinto, que alguma coisa ficara por explicar e que era EU próprio… que me aparecera…quando a vi fitar-me do ESPELHO…”. Depois, continuando a sua descoberta, através da personagem “ALTER-EGO”, DR. ALBERTO SOARES, no capítulo IX, página 88 e seguintes, diz isto: ”O instante em que me afirmo é uno como um tronco. (…) Somente agora que são EU, não os entendo. SEI que mudei, mas não SINTO ter mudado (…)”.
Ora acontece que, em meados do século XX, a Europa é assolada por uma vaga de fundo de ideias sobre a existência do HOMEM (O EXISTENCIALISMO!), liderada por filósofos e ideias de filósofos como SARTRE, SIMONE DE BEAUVOIR, MALRAUX, CAMUS, HEIDEGGER, JASPERS e tantos mais que questionavam, não só o papel do homem na Terra, como também a existência de DEUS. Por conseguinte, para conseguir SER, ou nos apoiamos na ideia de DEUS ou não…VF esteve num seminário, quando jovem, por um período superior a seis anos, que o marcaram, profundamente, quer pela rigidez das regras do internato, quer pela solidão inerente e pelo desconforto, que moldaram o carácter do jovem seminarista, tornando-o mais introspectivo e permeável às ideias dos filósofos existencialistas ateístas e teístas.
Esta dor de DEUS e a angústia da SUA existência provocavam fracturas emocionais indescritíveis no escritor e em todos os seres pensantes; notou-se isso já no romance”MANHÃ SUBMERSA”… Mas é em “APARIÇÃO” que vêm “à tona de água” todos os problemas de fé provocados também, a nível existencial, pela rigidez da vida, no seminário. Como corrente humanista, o Existencialismo teve como precursores o filósofo Sócrates e SANTO AGOSTINHO.
Em termos restritos e mais recentes, remonta a KIERKEGAARD que dizia estar o Sujeito implicado, ao longo da vida, na sua realização pessoal pelo que, o homem, é ”LIBERDADE ABSOLUTA”, “ESTANDO CONDENADO A SER LIVRE”…
No romance “APARIÇÃO”, o DR. ALBERTO SOARES não consegue, como Professor de Filosofia, passar aos seus alunos a “Mensagem” da “Liberdade Absoluta” e acaba por ser mal interpretado pelo louco Carolino, seu aluno- problema, que, a certa altura, entende ser um deus, capaz de, com as suas mãos, dar a VIDA ou tirar a VIDA a qualquer ser! tenta então matar o Professor, desfaz o pescoço de uma galinha “enquanto o diabo esfrega um olho” e acaba por matar a estranha SOFIA CERQUEIRA, a qual, segundo o narrador- autor, já desde pequenina “que tinha percebido tudo”, onde é que a vida nos vai levar, sendo, por isso, a coisa mais natural do mundo vivê-la em toda a plenitude …do mal, principalmente e se possível!
Neste romance, VF. apresenta-nos a ideia do filósofo HEIDEGGER de que o Homem é “UM-SER-PARA- A- MORTE” já que, abandonado por um deus que o condenou a uma liberdade com a qual ele não sabe o que fazer!, o pobre HOMEM não pode, sequer, impedir a sua fatalidade final…
Convém, no entanto, penso eu, vermos que o Homem nunca é só um determinado fim, no sentido de que nunca está completo… E nós, seres humanos, sabemos bem como HOJE não somos o que fomos ONTEM e vice-versa…
Ao dizermos EU, no nosso dia-a-dia, já estamos a SER e a caminhar para a nossa concretização ou realização, como se preferir. Em nós está a presença de nós próprios, como o pai de Alberto lhe explicou, naquele dia em que ele, pequenino, se viu ao espelho e pensou que alguém estava no seu quarto. É, decididamente, uma obsessão, esta tentativa de explicarmos a existência de DEUS… como difícil deve ser a insistência em negá-Lo… ALBERTO SOARES (CAPÍTULO III) explica o seu ateísmo de um modo breve e repentino… pouco ou nada esclarecedor, por consequência: ”DEUS está morto, PORQUE SIM!”. No capítulo IX, afirma: ”DEUS MORREU, DEUS NÃO É A MINHA META, É O MEU PONTO DE PARTIDA.”
A ensaísta MARIA JOAQUINA NOBRE JÚLIO, in “O DISCURSO DE VERGÍLIO FERREIRA COMO QUESTIONAÇAO DE DEUS” diz o seguinte, numa citação de Maria Leonor Carvalhão Buescu e Carlos Ceia, in “PORTUGUÊS 12º Ano, página 380,1ª tiragem de 1999: ”A par do alto conceito que VF tem do homem, penso que ficou claro (…) o alto conceito (…) que tem de DEUS.
DEUS é, para ele, mistério insondável e não é o DEUS manipulável das religiões, mas O ABSOLUTAMENTE OUTRO. (…) Quando fala de deuses, no plural, concebe-os como criações dos homens, ídolos (…) sempre inferiores e não o GRANDE-DEUS, o SUPER-DEUS. (…) Não sendo politeísta e muito menos panteísta, não crê nesses deuses manipuláveis ou criados pelos homens…DEUS é, para ele, outra coisa, ABSOLUTAMENTE TRANSCENDENTE AO HOMEM E AO MUNDO (…)”.
A este ponto, convém recordar que Kirkegaard diz que a vida se apresenta hoje de tal modo problemática ao homem, que se torna absurdo demonstrar a existência de DEUS!
O grande escritor português deu, com esta “tremenda” obra, uma pequena amostra do incomensurável, indefinível, inexplicável problema que é, o ter-se a ideia de DEUS. Não nos satisfaz, pois cada um de nós tem a sua própria resposta… ou não tem nenhuma! Sem respostas… resta-nos a força interior, emocional da… FÉ!
Ainda hoje, como poetisa, eu trato este tema que me é tão caro, pelo receio da HORA FATAL...


BIBLIOGRAFIA:
“O Discurso de Vergílio Ferreira como Questionação de DEUS”- Mª Joaquina Nobre Júlio, in “Português A”- 12º Ano,TEXTO EDITORA –Lisboa, 1999,1ª tiragem;
“Uma leitura DE APARIÇÃO de VERGÍLIO FERREIRA, BERTRAND EDITORA /NOMEN, 1995

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