"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
quinta-feira, 30 de dezembro de 2021
quarta-feira, 29 de dezembro de 2021
POEMA
O MEU DESTINO OLHA-TE
O longo Inverno que cansa as copas das árvores extáticas
Começa a nascer no vento azul---tão alto!---que dá cor ao
céu,
Enquanto vai com ele
arrastando o aroma das flores que sobreviveram.
É um azul mágico-eterno que a noite ordena que a acompanhe.
Da minha nocturna angústia
chega-me a vontade de puxar uma cadeira,
para assistir ao desfile melodicamente ventoso e suavemente
iluminado
dos astros,
das estrelas luminosas e das constelações formosas.
Por vezes sinto que devo esperar-te...É que o coração
debruça-se
No peitoril da janela, fixa comigo a Lua e as outras belezas
espaciais
Que vão tremelicando, viajando a medir distâncias e a mudar
de lugar.
O meu destino olha-te...
Mas dentro do intervalo dos nossos olhares há parcelas
Incompreensíveis----insensíveis----dolorosas----
O destino costumava abusar dos meus lábios...
Então, vendi-os a mim própria,
e agora bem vejo como
ele se rebola,
quando me vê chegar às tuas mãos
distintas e saborosas.
©Maria Elisa Ribeiro
Direitos reservados
SET/2021
POEMA:
CANTO A CHORAR
Dizem que chorei quando nasci.
Agora, canto para abafar as dores
E afastar os, mais que naturais, cansaços demolidores.
Canto deslizando a voz chorosa como as águas do rio,
E como as ondas do mar, que me querem levar. Canto,
Porque estou tão triste que,
Se me alegro, não sei
deixar de chorar. Estende-se meu sangue
Com uma voz poderosa, pela solidez da terra que nos ouve
existir.
Na sua sólida harmonia ,pedem-me as ondas do mar, que cante
As rotas de viajar,as riquezas achadas, as ilhas sonhadas e todas
as belezas
não encontradas.
E eu canto...
Canto os batéis a despejarem bens nos naufrágios e nas
areias dunais...
As canelas, as pimentas, os damascos-pano, os corais, os
jasmins...e que mais?
Canto para afogar a dor de saber que os valentes nem sempre
Tornaram ao cais de partida...
Aos lenços de acenar o adeus à casa da lareira acesa, onde ,quente,
Esperava a pobre-riqueza do jantar.
Mesquinho formigar do Homem-do-Mundo
Que nada compreende
Do profundo canto da Cigarra do calor!
...e canto mais ainda o perfume do orvalho que me beija
Ao alvorecer,
depois de ter fechado
a noite sob as minhas pálpebras.
Canta o mundo a acordar os insectos, as ramas dos arbustos,
As oliveiras e as árvores de fruto.
Sento-me à mesa a tomar o café e canto o sabor...
...Só com as flores, nem me lembro de empalidecer...
©Maria Elisa Ribeiro
Direitos reservados
DEZ/2020
terça-feira, 28 de dezembro de 2021
POEMA de Camilo Pessanha
Porque o Melhor, Enfim
É não ouvir nem ver...
Passarem sobre mim
E nada me doer!
_ Sorrindo interiormente,
Co'as pálpebras cerradas,
Às águas da torrente
Já tão longe passadas. _
Rixas, tumultos, lutas,
Não me fazerem dano...
Alheio às vãs labutas,
Às estações do ano.
Passar o estio, o outono,
A poda, a cava, e a redra,
E eu dormindo um sono
Debaixo duma pedra.
Melhor até se o acaso
O leito me reserva
No prado extenso e raso
Apenas sob a erva
Que Abril copioso ensope...
E, esvelto, a intervalos
Fustigue-me o galope
De bandos de cavalos.
Ou no serrano mato,
A brigas tão propício,
Onde o viver ingrato
Dispõe ao sacrifício
Das vidas, mortes duras
Ruam pelas quebradas,
Com choques de armaduras
E tinidos de espadas...
Ou sob o piso, até,
Infame e vil da rua,
Onde a torva ralé
Irrompe, tumultua,
Se estorce, vocifera,
Selvagem nos conflitos,
Com ímpetos de fera
Nos olhos, saltos, gritos...
Roubos, assassinatos!
Horas jamais tranqüilas,
Em brutos pugilatos
Fraturam-se as maxilas...
E eu sob a terra firme,
Compacta, recalcada,
Muito quietinho. A rir-me
De não me doer nada.
Camilo Pessanha, in 'Clepsidra'
// Consultar versos e eventuais rimas