Ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa é suspeito de ter escolhido juiz para julgar recurso de Rui Rangel.
A Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) acaba de solicitar ao Conselho Superior da Magistratura que "ordene imediatamente a realização de uma sindicância urgente aos procedimentos de distribuição de processos no Tribunal da Relação de Lisboa, para verificar se existiram ou existem irregularidades e determinar a sua correção".
"A imprensa divulgou ontem factos chocantes, que lançam fundadas dúvidas sobre a forma como foram distribuídos alguns processos no Tribunal da Relação de Lisboa, que têm de ser rapidamente esclarecidas", afirma a ASJP, referindo-se, designadamente, à suspeita de que o anterior presidente deste tribunal, Luís Vaz das Neves, interferiu na distribuição, em 2014, de um processo que opunha o juiz Rui Rangel a três jornalistas do "Correio da Manhã", para que o mesmo fosse julgado por Orlando Nascimento, magistrado judicial que viria a suceder-lhe na presidência da mesma Relação.
Em comunicado, a direção da ASJP, que é presidida pelo juiz desembargador da Relação do Porto Manuel Soares, defende que "os visados nas notícias em questão têm o direito e o dever de se explicarem". "E se eventualmente se vier a apurar que foram praticados atos ilícitos, os seus responsáveis têm de ser punidos", acrescenta.
SMS comprometem juízes
As regras de distribuição aleatória dos processos nos tribunais, que asseguram o princípio constitucional do direito ao "juiz legal", são um instrumento de garantia da confiança no sistema de Justiça. Por isso, a ASJP considera "essencial apurar se houve escolha de processos para juízes ou de juízes para processos, por razões desviadas e fora das regras que determinam a distribuição aleatória", mas também "se essa escolha, a ter ocorrido, teve influência na decisão final e, se for esse o caso, quem tomou essas decisões e porquê".
No processo em questão, os três jornalistas do "Correio da Manhã" processados por Rui Rangel tinham sido absolvidos em primeira instância. Mas, após o recurso do juiz-queixoso para o Tribunal da Relação de Lisboa (onde o próprio estava colocado), os réus foram condenados ao pagamento de uma indemnização de 50 mil euros, devido à publicação de uma notícia que acusava de Rangel de um "calote" a uma clínica. Mais tarde, o Supremo absolveu os jornalistas.
Os factos associados à distribuição daquele processo cível estarão a ser investigados no âmbito da Operação Lex, que se foca sobretudo em Rui Rangel e na sua ex-mulher, a também juíza desembargadora Fátima Galante. Estes dois magistrados ainda não foram alvo de acusação criminal, mas já foram expulsos da magistratura pelo Conselho Superior da Magistratura, em decisão do foro disciplinar ainda sujeita a recurso judicial.
Segundo noticiou ontem à noite a TVI, o anterior presidente da Relação de Lisboa já está a ser investigado, naquele processo-crime, por suspeitas de ter ilegitimamente ajudado Rui Rangel, quando subiu ao tribunal de segunda instância um recurso deste seu colega contra os jornalistas do "Correio da Manhã".
Aquele canal de televisão publicou uma troca de mensagens escritas de telemóvel, que começa com Rangel a avisar Vaz das Neves que "aquilo do CM já chegou à Relação" e "vai ser distribuído na próxima terça". "Por favor liga para lá na 2ª feira ou diz-me como fazer. Controla a situação", acrescentou.
Em viagem no estrangeiro, Luiz Vaz das Neves responde-lhe: "Manda-me o número do processo para que possa pedir que isto não seja já distribuído sem eu regressar". Rangel, ainda segundo o histórico de mensagens encontrado pela Polícia Judiciária no seu telemóvel, enviou o número do processo e, no dia seguinte, perguntou se estava tudo bem. "Tudo! Espero que tenham cumprido as minhas ordens", respondeu Vaz das Neves.
O recurso seria distribuído a Orlando Nascimento, o atual presidente da Relação de Lisboa, e decidido no sentido pretendido por Rui Rangel.
Absolvição de Veiga também é suspeita
Segundo a TVI, na Operação Lex também se investiga a distribuição de outro processo no Tribunal da Relação de Lisboa. Estará aí em causa o modo como foi distribuído ao juiz desembargador Rui Gonçalves, em 2013, um recurso do então empresário de futebol José Veiga, num processo em que este tinha sido condenado por fraude fiscal, no negócio da transferência do futebolista João Vieira Pinto para o Sporting. Na relação, José Veiga foi absolvido da pena de prisão de quatro anos e meio que apanhara em primeira instância.
Perante estas revelações, a ASJP veio afirmar, esta sexta-feira, que "os cidadãos não podem ter dúvidas sobre a imparcialidade dos seus tribunais nem sobre a integridade de quem neles trabalha". "Os juízes cumpridores dos seus deveres não podem ficar sob um manto de suspeição injusta e perturbadora do adequado desempenho da função", acrescenta.
Por isso, a associação entende que o Conselho Superior da Magistratura, se vier a apurar, na sua sindicância, "indícios de infração disciplinar ou criminal", deve instaurar os "procedimentos disciplinares adequados, fazendo as necessárias participações criminais ao Ministério Público e prestando informação pública completa, dentro dos limites legais, que possa tranquilizar os cidadãos sobre a confiança e transparência e integridade do sistema de Justiça".
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