Texto pessoal:
Camilo Castelo Branco: breve apontamento...
De Camilo Castelo Branco (CCB), afirma o, também escritor, poeta e ensaísta, Vitorino Nemésio: “É quase impossível traçar um perfil de Camilo em duas ou três páginas. Ele é o escritor mais fecundo, patético e absorvente da Literatura Portuguesa, pela massa de leitura que deixou (…) pela variedade e vigor da obra, pelo nervo e pela abundância do estilo. Mas principalmente pela vida enredada e trágica. (…) O segredo do seu sucesso está no seu casticismo irresistível, estilo sentimental e linguagem vernácula (genuína) …” Vitorino Nemésio, in “Portugal, a terra e o homem” (Fundação CALOUST GULBENKIAN, 1978, citado in DIMENSÂO LITERÁRIA, PORTO EDITORA, ISBN 972-0-40052-8).
Nascido em Lisboa, em 1825, estudou em Coimbra e no Porto mas, nem a Medicina nem o Seminário conseguiram que se mantivesse afastado de problemas e de uma vida atribulada de paixões e sofrimentos que, desde rapaz o acompanharam e lhe “moldaram” o modo de pensar e de viver. CCB é um escritor de períodos literários ricos, novos e distintos, entre si. Ele foi aquilo a que alguns críticos chamaram ”o último escritor de profissão”. Escreveu por amor às letras, mas também por necessidade, pois era da sua pena que saiam as obras que tinha que vender, para cuidar da família. Inconstante no amor e amargurado pelos desaires da vida, espelha-o nos seus livros, olhando a vida portuguesa com sarcasmo e retratando-a nas suas obras através dum monóculo de ironia, que se espalhou a toda a sociedade portuguesa.
Foram seus contemporâneos, uns mais velhos outros mais novos, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Antero de Quental, Eça de Queirós e tantos mais. Se falarmos de algumas das suas obras, todos se lembrarão, imediatamente, de “Amor de Perdição”, “A queda de um Anjo”, “Eusébio Macário”, “O retrato de Ricardina”,”A Filha do Regicida”, “A Brasileira de Prazins”, “ Livro negro do Padre Dinis”…sei lá quantos mais… A obra mais conhecida é, no entanto, “Amor de Perdição”, até por ter feito parte dos programas do ensino secundário, durante largos anos. Nesta obra, Camilo trata temas como o dos pais tiranos da sociedade portuguesa de então, que julgavam ter o direito sobre a vida e/ou a morte dos seus filhos, as zangas entre burgueses, brasonados ou não, o amor que pode levar à morte…e muita, muita crítica social e a instituições religiosas. Resumindo a história, sabemos dos amores, contrariados pelos pais, de Simão e Teresa. Ambos sonhavam “com uma casinha, em Coimbra, cercada de árvores, flores e aves, tendo o Mondego por companhia…”Mas como os pais não estavam pelos ajustes, entre várias peripécias Simão mata o primo de Teresa, Baltazar, indo acabar na cadeia, de onde, depois, é mandado para o exílio, na Índia. Teresa é posta no convento, primeiro em Viseu e depois, no Porto, onde acaba por morrer, ao ver passar diante das grades a que estava agarrada, o navio que afastava, para sempre, Simão, da sua vida.
É pelos diálogos que Camilo quer que os narratários (leitores) vão caracterizando as personagens, os ambientes, a sociedade, em geral. As descrições, considera-as ele maçadoras e de pouco proveito, para quem se embrenha nas suas obras.
João da Cruz e sua filha Mariana (personagens inventadas por CCB) ajudam, no que podem, os dois apaixonados. Mas, aqui, o amor não salva: MATA!
A novela é Romântica, na história dos amores contrariados; é Ultra-romântica, por tal amor conduzir à morte dos dois apaixonados jovens, mas é já uma amostra do que vai ser, daí por diante, o Realismo de Eça de Queirós. E explico porquê: no capítulo VII, Camilo delicia-se ao pôr a nu as características psico-sociais das freiras do Convento de Viseu! Imorais, com passados reprováveis, amigas da “pinguita”, viciadas em imoralidades dos tempos de juventude, intriguistas, levianas e falsas, descreve-as ele do modo que se segue: “Apenas a prioresa voltou costas, disse a organista à mestra de noviças:- Que impostora! –E que estúpida! disse a outra. A menina não se fie nesta trapalhona…que a prioresa é a maior intriguista do convento! (…) Enquanto foi nova era a freira que mais escândalos dava nesta casa (…)agora que está decrépita, anda sempre este mostrengo a fazer missões (…) A escrivã… só tem o defeito da pingoleta…gasta tudo em vinho…(…)”
O realismo da caracterização das personagens é a prova de que Camilo está já com “o pé” no Realismo. Mas ainda se pode ver essa realidade noutros excertos, como o que se segue, que se passa na noite em que Simão se encontra com Teresa e toda a sua comitiva é seguida pelos criados do pai dela. João da Cruz não está pelos ajustes, quando Simão pretende salvar a vida dos que o seguiram na fuga, depois de ter estado com Teresa. Por isso, pediu a João da Cruz para não matar os homens. O arrieiro respondeu-lhe que não queria morrer por ter sido reconhecido: ”João da Cruz apareceu, daí a pouco, com o podão ensanguentado._Você é cruel, sr. João- disse o académico.-Não sou cruel(…) o fidalgo está enganado comigo. É que lá diz o ditado, morrer por morrer, morra meu pai, que é mais velho. Tanto fax matar um como dois…
Simão teve um instante de horror do homicida e de arrependimento de se ter ligado a tal homem (…)”. Esta crueldade natural de João da Cruz, a dureza das suas palavras e a brutalidade dos seus actos é uma característica do REALISMO.
O que se diz de “Amor de Perdição”, em termos de vocabulário, de estilo, de linguagens, em geral, pode dizer-se de muitas outras obras de CCB. Profundo conhecedor das terras portuguesas, de seus usos, costumes e tradições, da sua noção de bem e de mal, Camilo usa, por conseguinte, um vocabulário vasto, variado e rico, vernáculo de gema, num estilo irónico, sarcástico e natural. Viveu em S. Miguel de Ceide numa casa que hoje é um museu da sua vida de dramas, tristezas e misérias. Filho bastardo, esse estigma contribuiu para lhe atribular a vida, para o tornar um ressentido, facto que se nota em tudo o que escreveu, fazendo proliferar, nas suas obras filhos naturais, como que numa atitude de purgação.
Conviveu com a miséria e a pobreza; esteve preso na cadeia da Relação do Porto por se ter apaixonado por ANA PLÁCIDO, uma mulher casada; foi, aliás, nessa cadeia que, em poucos dias escreveu “AMOR DE PERDIÇÃO”, cujo sucesso literário o apanhou de surpresa. A loucura do filho Jorge, a velhice e a cegueira, encheram-no de um tal tédio e de uma tal solidão, que o seu fim era inevitável: suicidou-se em 1 de Junho de 1890.
O poeta espanhol Unamuno afirmou, mais ou menos por estas palavras, que Portugal é um país de grandes tragédias de amor, grandes tragédias marítimas e, depois de ter lido “Amor de Perdição”…o País detentor da mais bela tragédia de amores dramáticos, na pessoa das personagens camilianas Simão e Teresa.
Para concluir: GALILEU GALILEI afirmou: “Não se pode ensinar tudo a alguém; pode-se apenas ajudá-lo a descobrir, por si mesmo.”Convido os nossos leitores a fazerem o mesmo, caso estejam interessados em saber mais sobre a obra de Camilo Castelo Branco.
De Camilo Castelo Branco (CCB), afirma o, também escritor, poeta e ensaísta, Vitorino Nemésio: “É quase impossível traçar um perfil de Camilo em duas ou três páginas. Ele é o escritor mais fecundo, patético e absorvente da Literatura Portuguesa, pela massa de leitura que deixou (…) pela variedade e vigor da obra, pelo nervo e pela abundância do estilo. Mas principalmente pela vida enredada e trágica. (…) O segredo do seu sucesso está no seu casticismo irresistível, estilo sentimental e linguagem vernácula (genuína) …” Vitorino Nemésio, in “Portugal, a terra e o homem” (Fundação CALOUST GULBENKIAN, 1978, citado in DIMENSÂO LITERÁRIA, PORTO EDITORA, ISBN 972-0-40052-8).
Nascido em Lisboa, em 1825, estudou em Coimbra e no Porto mas, nem a Medicina nem o Seminário conseguiram que se mantivesse afastado de problemas e de uma vida atribulada de paixões e sofrimentos que, desde rapaz o acompanharam e lhe “moldaram” o modo de pensar e de viver. CCB é um escritor de períodos literários ricos, novos e distintos, entre si. Ele foi aquilo a que alguns críticos chamaram ”o último escritor de profissão”. Escreveu por amor às letras, mas também por necessidade, pois era da sua pena que saiam as obras que tinha que vender, para cuidar da família. Inconstante no amor e amargurado pelos desaires da vida, espelha-o nos seus livros, olhando a vida portuguesa com sarcasmo e retratando-a nas suas obras através dum monóculo de ironia, que se espalhou a toda a sociedade portuguesa.
Foram seus contemporâneos, uns mais velhos outros mais novos, Almeida Garrett, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Antero de Quental, Eça de Queirós e tantos mais. Se falarmos de algumas das suas obras, todos se lembrarão, imediatamente, de “Amor de Perdição”, “A queda de um Anjo”, “Eusébio Macário”, “O retrato de Ricardina”,”A Filha do Regicida”, “A Brasileira de Prazins”, “ Livro negro do Padre Dinis”…sei lá quantos mais… A obra mais conhecida é, no entanto, “Amor de Perdição”, até por ter feito parte dos programas do ensino secundário, durante largos anos. Nesta obra, Camilo trata temas como o dos pais tiranos da sociedade portuguesa de então, que julgavam ter o direito sobre a vida e/ou a morte dos seus filhos, as zangas entre burgueses, brasonados ou não, o amor que pode levar à morte…e muita, muita crítica social e a instituições religiosas. Resumindo a história, sabemos dos amores, contrariados pelos pais, de Simão e Teresa. Ambos sonhavam “com uma casinha, em Coimbra, cercada de árvores, flores e aves, tendo o Mondego por companhia…”Mas como os pais não estavam pelos ajustes, entre várias peripécias Simão mata o primo de Teresa, Baltazar, indo acabar na cadeia, de onde, depois, é mandado para o exílio, na Índia. Teresa é posta no convento, primeiro em Viseu e depois, no Porto, onde acaba por morrer, ao ver passar diante das grades a que estava agarrada, o navio que afastava, para sempre, Simão, da sua vida.
É pelos diálogos que Camilo quer que os narratários (leitores) vão caracterizando as personagens, os ambientes, a sociedade, em geral. As descrições, considera-as ele maçadoras e de pouco proveito, para quem se embrenha nas suas obras.
João da Cruz e sua filha Mariana (personagens inventadas por CCB) ajudam, no que podem, os dois apaixonados. Mas, aqui, o amor não salva: MATA!
A novela é Romântica, na história dos amores contrariados; é Ultra-romântica, por tal amor conduzir à morte dos dois apaixonados jovens, mas é já uma amostra do que vai ser, daí por diante, o Realismo de Eça de Queirós. E explico porquê: no capítulo VII, Camilo delicia-se ao pôr a nu as características psico-sociais das freiras do Convento de Viseu! Imorais, com passados reprováveis, amigas da “pinguita”, viciadas em imoralidades dos tempos de juventude, intriguistas, levianas e falsas, descreve-as ele do modo que se segue: “Apenas a prioresa voltou costas, disse a organista à mestra de noviças:- Que impostora! –E que estúpida! disse a outra. A menina não se fie nesta trapalhona…que a prioresa é a maior intriguista do convento! (…) Enquanto foi nova era a freira que mais escândalos dava nesta casa (…)agora que está decrépita, anda sempre este mostrengo a fazer missões (…) A escrivã… só tem o defeito da pingoleta…gasta tudo em vinho…(…)”
O realismo da caracterização das personagens é a prova de que Camilo está já com “o pé” no Realismo. Mas ainda se pode ver essa realidade noutros excertos, como o que se segue, que se passa na noite em que Simão se encontra com Teresa e toda a sua comitiva é seguida pelos criados do pai dela. João da Cruz não está pelos ajustes, quando Simão pretende salvar a vida dos que o seguiram na fuga, depois de ter estado com Teresa. Por isso, pediu a João da Cruz para não matar os homens. O arrieiro respondeu-lhe que não queria morrer por ter sido reconhecido: ”João da Cruz apareceu, daí a pouco, com o podão ensanguentado._Você é cruel, sr. João- disse o académico.-Não sou cruel(…) o fidalgo está enganado comigo. É que lá diz o ditado, morrer por morrer, morra meu pai, que é mais velho. Tanto fax matar um como dois…
Simão teve um instante de horror do homicida e de arrependimento de se ter ligado a tal homem (…)”. Esta crueldade natural de João da Cruz, a dureza das suas palavras e a brutalidade dos seus actos é uma característica do REALISMO.
O que se diz de “Amor de Perdição”, em termos de vocabulário, de estilo, de linguagens, em geral, pode dizer-se de muitas outras obras de CCB. Profundo conhecedor das terras portuguesas, de seus usos, costumes e tradições, da sua noção de bem e de mal, Camilo usa, por conseguinte, um vocabulário vasto, variado e rico, vernáculo de gema, num estilo irónico, sarcástico e natural. Viveu em S. Miguel de Ceide numa casa que hoje é um museu da sua vida de dramas, tristezas e misérias. Filho bastardo, esse estigma contribuiu para lhe atribular a vida, para o tornar um ressentido, facto que se nota em tudo o que escreveu, fazendo proliferar, nas suas obras filhos naturais, como que numa atitude de purgação.
Conviveu com a miséria e a pobreza; esteve preso na cadeia da Relação do Porto por se ter apaixonado por ANA PLÁCIDO, uma mulher casada; foi, aliás, nessa cadeia que, em poucos dias escreveu “AMOR DE PERDIÇÃO”, cujo sucesso literário o apanhou de surpresa. A loucura do filho Jorge, a velhice e a cegueira, encheram-no de um tal tédio e de uma tal solidão, que o seu fim era inevitável: suicidou-se em 1 de Junho de 1890.
O poeta espanhol Unamuno afirmou, mais ou menos por estas palavras, que Portugal é um país de grandes tragédias de amor, grandes tragédias marítimas e, depois de ter lido “Amor de Perdição”…o País detentor da mais bela tragédia de amores dramáticos, na pessoa das personagens camilianas Simão e Teresa.
Para concluir: GALILEU GALILEI afirmou: “Não se pode ensinar tudo a alguém; pode-se apenas ajudá-lo a descobrir, por si mesmo.”Convido os nossos leitores a fazerem o mesmo, caso estejam interessados em saber mais sobre a obra de Camilo Castelo Branco.
MAria Elisa Rodrigues Ribeiro
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