quarta-feira, 24 de setembro de 2014

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GÊNERO
Não existe coisa de menino e coisa de menina!

Há muito estereótipos de gênero para meninos e meninas, mas essas caixinhas rígidas influenciam sua confiança e desempenho em determinadas áreas. Fique atento!

01/09/2014 11:18
Texto Nana Soares



Foto: Marcella Brioto
Os estereótipos de gênero associam características e profissões a cada um dos sexos, mas surgem cada vez mais iniciativas para combatê-los










Meninos são naturalmente melhores em matemática do que as meninas? Meninas vão naturalmente melhor em redação e sabem cuidar dos outros? Meninos são mais bagunceiros? A resposta para todas essas perguntas é, por incrível que pareça, "não". O que tem ficado cada vez mais claro para os educadores, os sociólogos e outros profissionais é que as diferenças demonstradas na vida adulta entre homens e mulheres têm muita relação com os estímulos que são dados a eles durante a juventude. Em outras palavras: é mais fácil que uma criança que sempre brincou só com jogos de montar e encaixar pense na carreira de engenharia do que uma que sempre brincou só de boneca.

Para a pedagoga Edna Telles, associar matemática aos meninos e o cuidado às meninas tem como consequência a formação dos guetos nas profissões. De fato, dependendo da área, há uma larga diferença entre o número de profissionais homens e mulheres. Segundo a Associação Brasileira de Enfermagem, o dado mais recente (2011) indica que entre os quase 2 milhões de trabalhadores da área, cerca de 1,4 milhão (ou 87,3%) são mulheres. Já no ramo da Engenharia a situação é a inversa: apenas 23% dos estudantes que se formaram no curso no ano de 2012 eram mulheres (dados da Associação Brasileira de Educação em Engenharia).

Um estudo internacional divulgado no início de abril de 2014 mostra exatamente isso. Realizado pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa)constatou que se as meninas apresentam um desempenho em matemática pior do que os meninos, isso se deve em grande parte à menor confiança que elas têm em si mesmas em relação a essa matéria. Os meninos superam as meninas em 38 dos países participantes, com uma diferença de cerca de 11 pontos (o equivalente a três meses de escola). Mas quando o quesito é leitura, as meninas estão cerca de um ano a frente dos meninos, com uma diferença média de 38 pontos.

O levantamento mostra também que já aos 15 anos de idade há muito mais meninas desejando carreiras que envolvem cuidado e uma grande representação masculina em carreiras relacionadas a engenharia, tecnologia e informática. "Muitas meninas optam por não seguir carreiras em ciência, tecnologia, engenharia e matemática porque elas não têm confiança na sua capacidade para se destacar nessas áreas, apesar de terem as habilidades para fazê-lo", diz o relatório.

Para a professora da Faculdade de Educação da USP, Marília Pinto de Carvalho, as desigualdades da sociedade (entre elas, a de gênero) também estão presentes na escola. O que não quer dizer que o ambiente escolar não crie suas próprias condições de desigualdade ao, por exemplo, separar os brinquedos para meninos e para meninas. "Isso acaba refletindo, entre outras coisas, nessa disparidade no desempenho da matemática. A sociedade e a escola acabam cobrando caraterísticas que nem sempre são ensinadas desde cedo. É muito mais difícil para uma menina entender geometria espacial se ela não foi estimulada nessa área", diz ela.

Foi pensando em combater essas condições de desigualdade presentes na escola que a educadora e coordenadora pedagógica Edna Telles desenvolveu uma iniciativa inovadora na escola que coordena, na periferia de São Paulo. Desde 2011, os cerca de 300 alunos do 1° ao 5° ano do Ensino Fundamental têm um momento exclusivo para as brincadeiras coletivas. O diferente da história é que todos, meninos e meninas, alternam entre o brincar só com os brinquedos "de menina" e com os "de menino".

Como o momento das brincadeiras acontece duas vezes por semana, em cada dia há a exclusividade de um tipo de brinquedo. Em um, as bonecas e os brinquedos relacionados ao universo doméstico, como vassouras, fogões e panelas. No outro, os bonecos, os carros e os jogos de aventura, associados ao universo masculino. As professoras acompanham as brincadeiras e fazem intervenções pontuais, além de responderem dúvidas dos alunos.

"No começo houve muito estranhamento, os meninos perguntavam se a brincadeira era só para meninas e se eles iam ficar de fora. Levou cerca de um mês para as crianças baixarem a resistência, quebrarem essa barreira e brincarem com todos os brinquedos", diz Edna. Segundo a educadora, a resistência dos meninos foi muito maior que a das meninas, e a justificativa era sempre atrelada à sexualidade (eles perguntavam se iam ‘virar gays’ por brincar de boneca). Por isso as intervenções das professoras, que sugerem que eles sejam os pais ou os médicos dos bebês, lembrando-os que pai e mãe cuidam dos filhos.

"As meninas também questionavam porque iam brincar com brinquedos de menino, mas a resistência era menor do que a dos meninos, porque tudo aquilo que é relacionado ao universo feminino é menos valorizado. Diversos preconceitos da sociedade já estavam refletidos ali. Os meninos achavam que iam virar gays ou ‘mulherzinha’ por brincar de boneca", acrescenta Edna.

A escola passou a trabalhar o olhar para as questões de gênero também entre os professores, que mudaram algumas de suas práticas (entre elas, a divisão da turma entre meninos e meninas, que foi abolida). A iniciativa foi baseada na pesquisa de mestrado de Edna, que observou que é na relação com os adultos que há a maior e mais rígida reprodução dos estereótipos de gênero. Por exemplo: é dos adultos que vem a repreensão se um menino brinca de boneca, já que a criança não ‘nasce sabendo’, mas sim aprende de acordo com as reações positivas ou negativas às suas ações. Ao ouvir de uma professora para "parar de chorar porque é coisa de marica/menina", a criança absorve aquele valor e compreende que chorar não é uma ação desejada.

Segundo a educadora, as crianças têm uma abertura maior para a mudança e uma maior maleabilidade nas brincadeiras, tendendo a se misturar mais e a se importar menos com essas regras quando estão longe do olhar dos adultos.

"É aí que reside a importância dessa iniciativa, porque a atividade desconstrói estereótipos de gênero e dá às crianças a chance de vivenciar diferentes papeis e descobrirem suas aptidões, pois elas experimentam de tudo e não ficam presas só a um certo tipo de brincadeira, como costuma ser. Elas têm o direito de vivenciar tudo", completa.

Meninas são mais estudiosas do que meninos?

A ideia de que as meninas são naturalmente mais estudiosas e dedicadas do que os meninos também faz parte dessas características que parecem naturais, mas que na verdade são construídas. Isso quer dizer que os dons ou aptidões naturais não estão atrelados ao gênero, mas parecem estar, pois a nossa sociedade, em um dado momento, construiu a ideia de que o estudo e a dedicação são características femininas, assim como o desleixo é masculino. Então passamos a educar meninas e meninos, ainda que inconscientemente, com esses valores.

Como explica a professora e membro do Grupo de Estudos de Gênero, Educação e Cultura Sexual (Edges) da USP, Marília Pinto de Carvalho, "os meninos são socializados para serem mais desobedientes e agitados, é o perfil de gênero que se espera deles". Na opinião de Marília, também é comum que, no ambiente escolar, uma professora leve em conta o comportamento, e não só a aprendizagem, na hora de da avaliação, o que contribui para as menores notas dos garotos.

"A desigualdade de gênero se expressa de muitas formas diferentes. Relacionado a esse perfil de masculinidade, temos um cenário em que os meninos abandonam a escola mais cedo, são maioria nas aulas de reforço e recuperação. E quando eles vão bem na escola, ainda tem de parecer que o fazem sem esforço, porque não é esperado que um menino seja aplicado e dedicado. É uma corda bamba o tempo todo para provar a masculinidade", diz Marília.

"Por mais que a desigualdade de gênero esteja presente na escola, é muito importante lembrar que ela não funciona necessariamente como um espelho do resto da sociedade. Por exemplo, se na escola as meninas se saem melhor do que os meninos, isso não é refletido nos seus salários no futuro, pois até hoje as mulheres ganham menos do que os homens. Ou seja, sua maior escolarização não reflete necessariamente em um maior salário", lembra.

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