quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Entrevista a Eduardo Lourenço(extracto), pensador português.



Retrato de um pensador errante
Luís Miguel Queirós (texto) e Nelson Garrido (fotos)



Acha que a Europa não nos interessa?
A nossa entrada na Europa foi um acontecimento capital na história portuguesa moderna. Agora estamos na Europa, politicamente e comercialmente, a tempo inteiro. O nosso espaço é objectivamente o da Europa. As nossas empresas têm de ter uma dimensão europeia, se não afogamo-nos aqui e enfrentamos uma regressão que não poderemos suportar. Mas nem por isso conhecemos mais a Europa. Não é só Portugal. Os países continuam culturalmente muito em casa, separados não só por uma história de séculos, mas pelas suas diferentes línguas. E nada separa mais do que as línguas. Quantas mais línguas falamos, mais pátrias temos. E agora temos todos uma espécie de nova pátria, que é o inglês. Ontem assisti a uma coisa fabulosa. O filósofo francês Jacques Rancière veio aqui ao Porto falar da perda do olhar crítico no actual discurso sobre o mundo, e fez a conferência em inglês. Um europeu francês, língua de cultura dominante durante três séculos, veio cá falar em inglês. No final, o Guilherme de Oliveira Martins, que era o moderador, fez-lhe uma pergunta em francês e ele, francês, respondeu em inglês. Uma coisa surrealista, mas que é típica deste mundo em que vivemos. Um filósofo conhecido e importante, ao mesmo tempo que faz um discurso muito crítico de alguns dos efeitos da globalização, assume, quase como um reflexo, o inglês como língua da globalização.
As novas gerações têm agora essa leitura do mundo em inglês, para efeitos práticos. A alguns o inglês também lhes permitirá aceder a uma grande literatura. É uma coisa excelente. Como o foi o francês na minha geração.


Faz um balanço negativo dos efeitos da televisão, designadamente em Portugal?
O paradoxo é que este estar em toda a parte e não estar em nenhuma, é também uma forma de solidão. E, talvez como forma de nos defendermos dessa dispersão, dessa ubiquidade, em vez de sairmos e voltarmos a casa, como fez a geração de 70 – quero estar em Paris e depois quero estar no Douro, em Tormes –, agora queremos mesmo é estar numa Tormes permanente, com a televisão a fornecer-nos as vistas. Isto tem coisas positivas, mas claro que a televisão podia fazer mais: em vez de nos dar um fluxo contínuo de telenovelas medíocres (com raras excepções), podia aproveitar para reciclar as grandes páginas da nossa própria ficção, mais do que faz.
Eu não a ponho em causa. Vejo muita televisão. À noite, quando não tenho mais que fazer, vejo televisão. Sobretudo noticiários, mas também o canal ARTE, que tem coisas que os outros não têm. A televisão pode oferecer momentos muito interessantes. Pode ter-se ali bem, com agrado, uma espécie de cultura de bolso. Mas uniformiza os conhecimentos e os comportamentos de um país – os bons e os maus – a todos os níveis. Claro que a informação que transmite é importante, mesmo se muito centrada no “fait-divers” nacional. E lá fora até há várias muito piores do que a portuguesa, que só vivem de sexo e violência, como a espanhola. A coisa aqui é mais moderada. Em França, a televisão é muito redutora. A imprensa émuito mais variada, e até a rádio. A televisão tem de cobrir Paris, para a cidade-luzpoder iluminar a nação, mas não pode passar, também, sem todo o “fait-divers” de província, senão fica sem audiência.
A verdade, lá ou aqui, é que se a televisão tivesse outro tipo de exigência, não tinha público. Em Portugal, ainda assim, há essa coisa boa de passarem os filmes com legendas. Lá fora, só por excepção é que se consegue ver um Bergman no original.

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