quinta-feira, 27 de outubro de 2016

"OBRAS" de animais carnívoros satânicos!


Lamiya foi escrava do Estado Islâmico durante 20 meses e ainda vai ser professora


SOFIA LORENA

04/07/2016 - 18:12


Ana Gomes e Josef Weidenholzer identificaram 470 yazidis na Grécia que querem vir para Portugal, onde o Governo tem “total abertura” para os receber. A iraquiana Lamiya foi vendida e violada até pensar que não aguentava. Mas sobreviveu.
Lamiya Aji Bashar, de 18 anos, tem a cara desfigurada por uma bomba ENRIC VIVES-RUBIO




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Dizem dos yazidis que são adoradores do Diabo, mas eles sabem que o Diabo são os outros. A religião deles é anterior a Maomé mas desde que há muçulmanos, vivem entre eles. Os yazidis sempre foram perseguidos e estão espalhados pelo mundo. Em 2010, sobravam uns 800 mil, a maioria no Iraque. Hoje, depois de Saddam Hussein e dos extremistas, ninguém sabe quantos são.

Estejam onde estiverem, os yazidis acreditam que o dia do julgamento final vai acontecer no templo de Lalish, a montanha do Curdistão iraquiano. É dali, dizem, que se separam os caminhos: para um lado, o Inferno; na direcção oposta, o Paraíso. Em Lalish há uma serpente e é desta que os ignorantes falam quando os acusam de adorar o Diabo. O que eles não sabem é que foi com esta serpente que Noé tapou o buraco da arca e, assim, a vida pôde continuar.

O pediatra Mirza Dinnay sabe bem o que é resgatar crianças ao Inferno. Lamiya Aji Bashar exibe as marcas do Diabo no rosto, mas continua a adorar a vida e ainda quer ser professora. Tem 18 anos e a cara desfigurada pela bomba que explodiu quando fugiu de quase dois anos de cativeiro impensável. O impensável chama-se Daash (o autodenominado Estado Islâmico). A bomba tirou-lhe o olho direito e deixou-lhe o esquerdo com a visão 90% reduzida.

As piores marcas são as que não se vêem. O pediatra Mirza sabe disso. Afinal, é ele que está a salvar Lamiya.

“Sou uma das milhares de raparigas yazidis capturadas pelo ISIS [sigla em inglês para Estado Islâmico do Iraque e de al-Shams, como o grupo se fazia chamar antes de 2014]. Eu e toda a minha família fomos capturados em Agosto de 2014 em Korcho, a nossa aldeia. Os combatentes chegaram e disseram: ‘têm três dias para se converter ao islão ou serem mortos’”, conta Lamiya, com Mirza a fazer de intérprete.

O que é o Estado Islâmico

Quando os combatentes chegam, o terror só acabou de começar. “No fim desses três dias, obrigaram-nos a ir para a escola da aldeia. Separaram as mulheres e as crianças dos homens. Levaram os homens lá para fora e mataram-nos. Depois, transportaram-nos para outra zona e foi aí que nos dividiram, mulheres para um lado, raparigas para outro”, descreve. Na aldeia, diz Mirza, viviam 1900 pessoas – 400 eram homens, como o pai de Lamiya que ela nunca mais viu; os outros eram mulheres e crianças.

“As raparigas, como eu, fomos para Mossul [a segunda maior cidade do Iraque, no Norte do país, sob controlo dos jihadistas]. Às mulheres mais jovens e às crianças mais pequenas levaram-nas para Tal Afar [outra cidade]. Às mais velhas mataram-nas”, conta a jovem. “Depois de uns dias, levaram-me para Raqqa [a cidade síria a que os membros do Daash chamam capital do seu autoproclamado 'califado'], a mim e à minha irmã. Um combatente saudita levou-nos e violou-nos às duas, no mesmo dia, antes de nos devolver ao grupo.”
Vendida e comprada

Foi então que Lamiya foi vendida e comprada pela primeira vez. Tinha 16 anos e pensou que não aguentava. “Um dos emires, um saudita, comprou-me e levou-me. Torturou-me, espancou-me, violou-me e eu cortei os pulsos, tentei matar-me. Estive três dias no hospital e, logo a seguir, ele levou-me para Deir Ezzor, outra cidade da Síria. Voltei a tentar fugir e passei uns dias com uma família. Eles denunciaram-me e eu fui capturada outra vez”, recorda Lamiya, franzina e frágil, t-shirt branca e fio ao pescoço.

Por tentar fugir, foi punida com nova dose de espancamentos e violações. “Depois, quiseram levar-me para Caim, no Iraque, mas eu saltei do carro e fugi. Capturam-me num controlo do ISIS e voltei para Deir Ezzor. Enfiaram-me numa prisão, e violaram-me sem me darem comida nem água. Entregaram-me a outro combatente e fui escrava deste durante três meses. Este vendeu-me a um que era o responsável por fazer as bombas. Para além de me violar, obrigava-me a construir explosivos. Consegui fugir, passados outros três meses e voltei a ser capturada”, conta, num só fôlego.

“Levaram-me de volta para Mossul, para ser julgada num tribunal de sharia[lei islâmica]. Devia ser morta ou ficar sem pés, por ter fugido. Decidiram matar-me, mas veio outro saudita que perguntou se me podia comprar. Primeiro, espancaram-me até todo o meu corpo sangrar por todos os lados. Depois, deixaram que o saudita me levasse para o mercado de escravos”, lembra. “Fui comprada por um médico iraquiano que era muito mau para mim. Passei um ano com ele, ele comprava e vendia raparigas yazidis o tempo todo.”

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