terça-feira, 28 de julho de 2015

O RATO DAS ILHAS BERLENGAS- PORTUGAL


O rato-preto da ilha da Berlenga é inocente?


MARISA SOARES

27/07/2015 - 08:30


Dezenas de biólogos e investigadores acusam a Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves, promotora do LIFE Berlengas, de proferir uma sentença de morte ao mamífero antes de provar a culpa.





Ilha da Berlenga
BRUNO SIMÕES CASTANHEIRA








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A população de rato-preto (Rattus rattus) da ilha da Berlenga tem os dias contados. A Sociedade Portuguesa para o Estudo das Aves (SPEA) está a desenvolver um projecto que visa erradicar o rato e outras espécies consideradas invasoras, alegando que estas põem em risco fauna e flora autóctones do arquipélago. O argumento, porém, não convence dezenas de investigadores, entre os quais dois antigos directores daquela reserva natural, que pedem a suspensão do projecto.

O LIFE Berlengas arrancou em Junho do ano passado, com um financiamento de 1,4 milhões de euros para quatro anos, metade pagos pela Comissão Europeia. A SPEA e os parceiros – Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), Câmara de Peniche, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa e Escola Superior de Turismo e Tecnologia do Mar – pagam a outra metade. O objectivo principal é “repor os valores naturais do arquipélago” – formado pela ilha da Berlenga (a única visitável) e por vários ilhéus e rochedos (Estelas e Farilhões) – situado a 5,5 milhas náuticas (cerca de dez quilómetros) de Peniche, classificado como reserva da Biosfera pela UNESCO em 2011. Como? Erradicando as espécies que, segundo os promotores, estão a pôr em causa o ecossistema.

“Está provado que o rato-preto come as crias das aves marinhas vivas”, argumenta Luís Costa, director executivo da SPEA (representante em Portugal da BirdLife International). "Em todo o mundo já foram realizados mais de 1000 projectos que provam o efeito negativo do rato sobre os ecossistemas e que a sua erradicação tem impacto positivo”, afirma, dando como exemplo projectos de conservação em curso na Madeira (onde o LIFE Recover Natura, um projecto do Parque Natural da Madeira em parceria com a SPEA, prevê também a erradicação de coelhos e murganhos) e nos Açores.

No entanto, uma análise realizada na Berlenga em 2013 pela própria SPEA não registou “qualquer evento directo de predação” do rato-preto sobre uma das aves marinhas mais emblemáticas da ilha, a cagarra (Calonectris diomedea borealis). O estudo detectou apenas “uma grande actividade de rato-preto dentro ou muito próximo dos ninhos de cagarra”, perto das crias, “demonstrando um interesse inequívoco nas mesmas”. “É possível que, em anos de menor disponibilidade alimentar, os ratos tenham uma maior actividade predatória sobre as crias de cagarra”, concluiu-se.

Embora tenha estatuto de conservação desfavorável, a população de cagarra não está a regredir da Berlenga, único local na costa continental portuguesa onde a espécie nidifica: nos últimos 20 anos passou de 200 casais para perto de 1000, segundo a SPEA.

Num documento explicativo do projecto, os promotores sustentam que é necessário actuar “de forma preventiva” para “evitar a irreversível extinção” das aves marinhas, como já aconteceu com o airo (Uria aalgae) – associando também a ausência do roque-de-castro (Oceanodroma castro) na Berlenga à presença do rato-preto – e “por questões de saúde pública”, uma vez que a reserva é visitada por milhares de pessoas anualmente. "A comissão científica deste projecto tem avaliado a documentação existente e considera não haver nenhuma prova científica que sustente a proteção específica destas populações [de rato]”, diz a SPEA.

Ninguém sabe ao certo quando e como é que o rato-preto, originário do Sudeste da Ásia, chegou à Berlenga. As referências mais antigas à presença da espécie na Europa datam do século VIII. Isolado na ilha, onde terá chegado com ajuda do homem, alojou-se em galerias escavadas no solo, de onde foi expulso no continente pela ratazana-do-esgoto (Rattus norvegicus), seu arqui-inimigo. Os poucos estudos feitos sobre a população da Berlenga, e referidos no documento da SPEA sobre o projecto, admitem que aquela pode ter-se adaptado à vida insular e reconhecem mesmo diferenças entre o crânio dos indivíduos residentes na ilha e o dos que vivem no continente, sugerindo a necessidade de aprofundar o conhecimento sobre os primeiros.

Luís Costa afirma que os técnicos da SPEA estão a fazer estudos da dinâmica da população, cuja conclusão está prevista para Maio do próximo ano, e que foi pedido um estudo de genética à Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. "As coisas não são feitas de ânimo leve. Se virmos que o rato é realmente importante para o ecossistema e que não pode ser erradicado, abortamos a operação", admite. O ICNF, responsável pela gestão da reserva, apoia o extermínio. "A erradicação e o controlo do rato-preto foi ponderada no passado, nunca tendo sido desenvolvida" porque exige "um grande volume de trabalho e de verbas" só possíveis em projectos de grande dimensão, diz Maria de Jesus Fernandes, directora do Departamento de Conservação da Natureza e das Florestas de Lisboa e Vale do Tejo.

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