"As minhas palavras têm memórias ____________das palavras com que me penso, e é sempre tenso _________o momento do mistério inquietante de me escrever"
sexta-feira, 28 de março de 2014
DE BAPTISTA BASTOS...
Resistir é preciso e é urgente
28 Março 2014, 09:54 por Baptista Bastos | b.bastos@netcabo.pt
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Voltou o pé descalço, a fome envergonhada ou às claras, miúdos às centenas que vão para a escola sem nada no estômago. O empobrecimento da pátria é um ultraje e uma má memória para quem, como eu, por exemplo, é do tempo da miséria religiosa do salazarismo.
Com o ar grave e a voz timbrada que se lhe conhecem, o dr. Pedro Passos Coelho foi às televisões e disse: "Vou tomar medidas para erradicar a fome no nosso país." Além do tropeção no idioma (que lhe é comum), esclareço que quem "toma medidas" são os alfaiates e as costureiras; ele, Passos, como governante "toma decisões." Depois, há uma insultuosa falta de pudor, quando assevera que irá "erradicar a fome no nosso país." Não foi ele que proclamou o "empobrecimento" dos portugueses como estratégia necessária ao equilíbrio das finanças?
Semeou a fome, a miséria, o desemprego. Incitou os jovens a sair da pátria; acabou com milhares e milhares de empresas; perseguiu, e persegue, os funcionários públicos, os pensionistas, os reformados; corta ferozmente nos salários, nas pensões, nas receitas ordinárias dos mais desvalidos; os velhos são ignorados e, pior do que isso, desprezados como objectos inúteis; tripudia sobre os valores mais sagrados da democracia; acabou com os feriados do 1.º de Dezembro e do 5 de Outubro e anda, ele e os seus, com emblemas da bandeira republicana ostensivamente na lapela. A lista de iniquidades, aleivosias e indignidades é a mais longa registada em Portugal na II República. Não é nunca de mais repetir os malefícios feitos por este homem ao País, pois a máquina de propaganda do Governo, que custa fortunas ao erário público, não deixa de nos matraquear com embustes e falsidades.
O problema destas políticas celeradas é que muitas delas são tão fundas que dificilmente podem ser anuladas. Depois, uma inércia e uma aparente resignação populares deixam livre o caminho para as manigâncias. Já se viu que o PS de António José Seguro não dispõe nem de força, nem de ideologia, nem de massa crítica que possam enfrentar, com denodo e eficácia, a formidável tempestade desencadeada por estes gestores de empresas, que transformaram Portugal numa república de gente amorfa.
Quem vier a seguir a esta gente, se for outra com rumos diferentes, vai ter uma tarefa hercúlea para inverter a tendência. Não me parece, francamente não me parece, que o actual secretário-geral do PS, se for o caso, disponha de estilo político e de poder necessários à transposição. Aliás, a chamada de Jorge Coelho e de José Sócrates à primeira linha da luta, revela até que ponto é elevada a preocupação dos dirigentes socialistas. Apesar da violência da política de Passos, a diferença, nas sondagens, entre os dois partidos "de poder", é mínima.
A miséria que alastra no País, o aumento do número de pobres, ainda há dias anunciado pelas estatísticas, são de molde a deixarem-nos encrespados. Voltou o pé descalço, a fome envergonhada ou às claras, miúdos às centenas que vão para a escola sem nada no estômago. Voltou o país esmoler, de mão estendida à porta das igrejas. Voltaram as instituições de apoio social a garantir pão e sopa a milhares de portugueses. O empobrecimento da pátria é um ultraje e uma má memória para quem, como eu, por exemplo, é do tempo da miséria religiosa do salazarismo. Em três anos de governação, Passos Coelho e os seus fizeram-nos regredir cinquenta, e depredaram os sonhos e as esperanças dos nascidos depois da queda do fascismo. Não podemos permitir que o agravo prossiga. É preciso voltar a escorraçar o medo.
Relembrar Abril e a Resistência
Uma das vozes mais genuínas e poderosas da Resistência, antes e depois do 25 de Abril, é a de Manuel Alegre. Os poemas que nos ofereceu, com generosa grandeza, constituem um imparável acervo de esperança e de incitamento à não renúncia. Um grande poeta, na tradição de combate que marca a nossa lírica como um emblema e uma alusão à decência e à dignidade, mesmo quando tudo parece perdido. Nesta quadra de memórias e de lembranças do sonho, a Dom Quixote publicou uma selecção de alguns dos mais belos e significativos poemas do autor de "Trova do Vento que Passa", que tem sido o hino de várias gerações. "Há sempre alguém que resiste / há sempre alguém que diz não." O livro, "País de Abril", insere textos poéticos estranhamente premonitórios do que iria acontecer, anos mais tarde, numa madrugada luminosa. E simbolizam a coragem e a probidade moral e cultural de um homem que sempre recusou capitular ou trair. "País de Abril" é, além de tudo o mais, um texto estimulante, nestes tempos sombrios.
b.bastos@netcabo.pt
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