UM POUCO DE TUDO…LITERATURA PORTUGUESA
Aquilino Ribeiro (AR)… (1885-1963)
“ALCANÇA,QUEM NÃO SE CANSA”( Aquilino Ribeiro)
São tantos “os monumentos literários” da nossa história das Letras, que se torna difícil escolher um deles, em momento oportuno. Hoje optei por Aquilino Ribeiro (A.R.) pelo que este escritor nos pode dar de riqueza da acentuação, pontuação, uso das linguagens popular, familiar e gírias, nomeadamente, isto em termos de Escrita, de Português escrito.
Passam agora,50 anos sobre a morte do grande escritor; é impossível não me referir a este grande vulto das Letras Portuguesas, mesmo que num pequeno artigo, pois seria necessário dizer dele infinitamente mais do que este espaço comporta.
Ler A.R. é ver o povo nas suas mais genuínas tradições, usos e costumese no uso legítimo da boa disposição perante a vida, que vai começando a faltar-lhe, nos dias de hoje!
A.R é um dos romancistas mais fecundos da primeira metade do século XX. Activista político , principalmente contra a ditadura salazarista, vivia em Londres na altura das convulsões político-sociais e da agitação que haveria de conduzir à implantação da República, em 5 de Outubro de 1910. Foi perseguido depois do assassinato do rei Carlos, esteve preso depois de muito perseguido, mas fugiu da cadeia para passar a viver entre Paris e Berlim, com períodos de permanência no Brasil e em outras capitais do mundo.
Sobre a sua personalidade dizia Salazar, mais ao menos isto:” É um inimigo político, mas é um grande escritor!”
O escritor Fernando Namora referia-se a A.R. como “aquele jovem que trouxera a província para a cidade”. A verdade é que A.R. soube, como poucos, levar por caminhos difíceis a valorização da nossa literatura, em todos os planos. A sua criação literária, expressa em romances como: “O Malhadinhas”, “Terras do Demo”, “Andam faunos pelos bosques”, “A casa grande de Romarigães ”, “Quando os lobos uivam”, etc., dão-nos um panorama de genuíno amor pelas nossas terras e pelas características ímpares do povo oriundo da alta montanha, que, apesar de toda a modernidade, é o que ainda hoje somos.
Aproveitava a “personalidade” que conferia às suas personagens para criticar o modo como via as arbitrariedades do poder e os defeitos do povo e dos governantes; criticava, como ninguém, a falta de justiça que punha o povo na miséria e os governantes nos píncaros do bem-estar, que a impunidade permitia.
Aquilino lê-se, às gargalhadas, o que é salutar! Da obra”Terras do Demo”, retirei um pequeno extracto, na página 123 de uma edição de 1973, do Círculo de leitores:”Quinze dias estiveram com os pés para a cova; fez-se branco como a cal, depois verde, tornou a pintar de vermelho…a beber umas colherzinhas de leite, mas resulho nem à fina força lhe passava nos gorgomilos…ora chorão, ora raivoso… (…). E, na página199, a respeito de heranças, do morto ainda com os ossos quentes, “…ainda o corpo não fora removido para o celário e já os herdeiros… faziam uma matinçada de cães famintos…”
Padre Vieira, no século XVII, num dos seus sermões, trata este tema das heranças e dos desentendimentos dos herdeiros, de um modo mais moralista sem deixar de ser irónico.
O que mais impressiona quem lê A.R. é o seu amor contagiante pala Natureza, em todos os seus extremos, cuja beleza ressalta das palavras do escritor, no sangue vivo da raça portuguesa.
Homem instintivo, nascido e criado na região de Sernancelhe, louvou de um modo, por vezes pagão, a beleza e naturalidade do mundo serrano. Partilhou, com Teixeira de Pascoaes e António Patrício as doutrinas da Saudade, proclamadas na revista “SEARA NOVA”, ele que, por força das divergências políticas com o regime salazarista, várias vezes esteve preso e várias vezes, também, fugiu da cadeia, fazendo ao regime aquilo que ele considerava “o manguito político”.Observador atento da realidade social, pôs sempre em contraste a conduta da gente simples, por vezes ingénua, com a dos trampolineiros da hipocrisia e da mentira do subir na vida, a qualquer custo.
Em “O Romance da Raposa”, perfeito e acabado exemplo do que acabo de afirmar, A.R. compraz-se em demonstrar, por meio das ladinices da “rapozeta”, como procedem na vida todos aqueles que, por meio de truques, procuram e conseguem! suplantar os sérios e honestos, com as suas falinhas mansas. Este romance é, todo ele, uma metáfora da vida!
No romance “A Grande Casa de Romarigães”, riquíssimo em textos de verdadeira prosa poética na descrição de paisagens naturais, repare-se como A.R. começa a descrever o nascimento da floresta:”O vento, que é um pincha-no-crivo devasso e curioso, penetrou na camarata, bufou, deu um safanão… (…) Também ali perto, por uma tarde fosca de Outono, chegou um gaio, voejando de chaparro em chaparro, a grasnar mal-humorado…trazia no bico uma bolota. Dispunha-se a comer a merenda bem amargada, quando deu com os olhos no mariola do vizinho com quem bulhara na Primavera por causa da gaia, hoje sua mulher.”
Puras mimésis, animismo de uma Natureza, que enchem a alma de quem o lê com amor e onde transparece a mesma técnica de Torga no amor telúrico por tudo quanto mexe, sobre e sob as terras , os solos
Nas obras “Mónica” e o “ Arcanjo Negro”-que estiveram proibidas até 1947- Aquilino envereda por uma crítica velada ao regime salazarista, através de Metáforas como “más estrelas” ,”negrume” e onde até mesmo o verbo “envelhecer” remete para a bruma nevoenta que era, já no seu tempo,(como sempre foi!)o regime de Salazar. Nestas obras nota-se um certo pessimismo histórico, como se não houvesse nada que levasse um intelectual a ter esperanças de mudança. Infelizmente, só em 1974 se deu a ansiada reviravolta, que ele não pôde aclamar.
Convém dizer que, na sua vida, o autor passou algum tempo no seminário, tentando convencer-se de que devia ser padre, como seu pai… mas parece que não estava destinado a tal fim…o que muito entristeceu a família! Espírito inquieto e crítico, cedo viu os contrassensos dos dogmas da religião católica e cedo se apercebeu da hipocrisia de seus colegas e “irmãos” de desdita o que levou à sua expulsão do seminário! Digamos que se perdeu um mau padre,mas que se ganhou um bom escritor, reconhecido em todos os círculos intelectuais do país e do mundo!É engraçado ver como ele próprio descreve a sua falta de aptidão para as “coisas” da Igreja, na obra “Um Escritor confessa-se”:…”Eu entrara para o seminário crente, crente absoluto, e lá senti que ali estava a despir a carapaça religiosa com que se nasce, que nos tolhe da idade da razão de dar o tombo para o desespero e o pessimismo.”
Legou-nos setenta notáveis obras! Nunca se desligou da luta política e foi, com setenta e tal anos, activo apoiante de Humberto Delgado.
Para terminar esta simples abordagem da estética aquiliniana, gostaria de dizer que, em qualquer época da vida literária portuguesa os escritores e outros intelectuais estiveram em consonância com as realidades do país…Hoje, ao lê-los, devemos fazê-lo com amor e espírito crítico, para sermos capazes de encontrar as VERDADES com que o país, neste momento, se confronta…
NOTA: há dois ou três anos, escrevi sobre Aquilino Ribeiro, no Jornal da Mealhada, um artigo que reformulei, de acordo com a data que hoje se comemora. Sendo um artigo diferente na temática e no enriquecimento da mesma, devo, apesar de tudo, em nome de mim própria, dizer-vos o que acabo de dizer!
Bibliografia: recorri a livros meus de quando leccionava, a Histórias da Literatura e a obras de A.R. que possuo; para as datas, fui à INTERNET.
Mealhada,25 de Fevereiro de 2013
Maria Elisa R. Ribeiro.