quarta-feira, 8 de julho de 2020












MULHER-QUE-SOU

lembrar-te, agora, é sentir que o tempo costumava
transbordar de ti … e isso dói…
…tudo porque a tua presença-ausente continua a viver…AQUI

o sol langoroso, louro-quente, felpudo de chamas ardentes
desce pela vidraça e desnuda-se, deliciado, no soalho que pisaste.
Envolve o quarto o bafo quente que sai pela vidraça por onde entrou.

adiante, tenho a montanha que me viu-ser-gente…
…a montanha desse Outubro longínquo e distante
que amontoava as folhas caídas junto das pinhas e das agulhas
de pinheiros, dos fetos e dos abetos onde vivi tantas brincadeiras…

Mulher-Terra Mulher-telúrica Mulher-Mulher-Me- FUI-SENDO.

hoje, quando Me lembro, procuro-Me na solidão
dos atalhos poeirentos… sento-me entre os penedos
que nunca abandonaram os momentos-dos-meus-tempos.
olho o céu, de onde cai um azul-verde cuja sombra me permite
ver as fundas brechas que se abriram na idade da montanha e
nas raízes das árvores que a prendiam à terra, como me prendia eu
às escadas de pensamentos por onde chegava ao céu.

o silêncio é cortado apenas pelo marulhar dos tímidos ribeiros
que passam ao lado das cabras, a correr pelos carreiros que
vão desaguar no vale, lembrando cais de marinheiros-a-voltar.

continuo a nascer,
crescendo em cada madrugar que
se vai prolongando,
pelos crepúsculos em que  te não quero recordar…
continuo a perder os olhos pelo horizonte,
mesmo em frente do meu silêncio mimético,
onde passam avezitas a dialogar com o silêncio-da-Hora…

Maria Elisa Ribeiro
ABL/016

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