ANÁLISE
A Europa só tem interesse em facilitar a vida ao Reino Unido
TERESA DE SOUSA
29/06/2016 - 22:26
Merkel avisou Londres que não pode escolher a seu gosto o que quer e o que não quer das políticas da União Europeia. Mas conseguiu travar o revanchismo das reacções iniciais, para uma saída amigável e não conflituosa.
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1. Deve ter sido um jantar triste, como disse o primeiro-ministro britânico já demissionário. Fora dos holofotes, os líderes europeus seriam loucos ou completamente inconscientes se o ambiente tivesse sido outro. Não foi. E o primeiro sinal de que alguma serenidade caiu sobre as suas cabeças está visível na declaração final dos 27, na qual é dado a Londres o tempo necessário para deixar assentar a poeira, antes de accionar o artigo 50º e iniciar as negociações para uma saída amigável e não conflituosa.
Merkel acabou por ganhar essa batalha sobre os mais apressados, retirando uma indisfarçável carga de revanchismo presente nas reacções iniciais. Mas a chanceler foi avisando que o Reino Unido não pode escolher a seu gosto o que quer e o que não quer das políticas da União Europeia, o que também é razoável. Uma das principais reivindicações de Londres é negociar o acesso ao mercado interno sem ter de aceitar a livre circulação de pessoas. O líder britânico disse aos seus pares que o ponto fulcral para o Brexit foi a entrada em massa de cidadãos europeus, mesmo com o mecanismo de “travagem de emergência” que negociou antes do referendo.
A declaração dos 27 deixa essa questão resolvida, pelo menos por enquanto: o acesso ao mercado interno implica aceitar as quatro liberdades. O mais provável modelo para as negociações deve ser o norueguês. O Reino Unido passa a fazer parte do Espaço Económico Europeu (uma espécie de sucessor da EFTA), terá livre acesso ao mercado interno, pagará para os cofres de Bruxelas de acordo com a sua própria riqueza, e não poderá colocar qualquer limite à livre circulação de pessoas. E, evidentemente, não estará sentado à mesa quando os governos europeus decidirem as regras do jogo.
Falta ainda saber quem será o novo líder dos conservadores: Boris Johnson, o rosto do "Brexit", ou Theresa May, herdeira de Cameron. Da escolha dependerá provavelmente uma negociação mais ou menos cooperante. Ainda é cedo para saber quando e como estabilizará a cena política britânica, depois do tiro de canhão que a atingiu no peito. Por enquanto, e por causa da Europa (é sempre por causa da Europa), os dois grandes partidos estão em profunda crise de liderança, de cuja resolução dependerão também as negociações com Bruxelas. Os britânicos vão ter de fazer escolhas muito difíceis, a partir do momento em que romperam com uma opção estratégica de 40 anos e quando o mundo está ele próprio em profunda convulsão.
2. A Europa vai ter igualmente de se adaptar, ao perder um dos seus membros mais poderosos. E, de preferência, tirar as devidas lições para si própria. Ontem, na declaração que aprovaram no final da reunião a 27, os líderes prometeram aos europeus prestar mais atenção às suas preocupações. Destacaram a dimensão de segurança, por causa do terrorismo. Não falaram na Defesa. A preocupação com o crescimento e o emprego, que não constava no draft inicial, acabou por ser incluída, o que é uma pequena vitória dos que defendem que é preciso devolver aos europeus uma perspectiva de futuro que não se resuma à austeridade. Estão marcadas várias reuniões para reflexão. Não será fácil encontrar um caminho comum.
3. Quando David Cameron regressava a Londres, aterrava em Bruxelas a primeira-ministra da Escócia, Nicola Sturgeon, para um encontro com Jean-Claude Juncker sobre as eventuais relações da Escócia (independente?) com a União. Um encontro com o presidente do Conselho Europeu já tinha sido excluído. Mas o presidente da Comissão decidiu que “a Escócia ganhou o direito de ser ouvida”. Não foi uma decisão muito avisada e é um bom exemplo daquilo que não deve ser feito. A Escócia é parte do Reino Unido. O interesse europeu é manter uma boa relação com um país suficientemente forte para acrescentar o seu peso na cena internacional ao da União Europeia. O mínimo que se pode dizer é que contribuir para a sua desagregação não é uma decisão sensata, para não dizer legítima. Tudo o que a Europa não precisa é alimentar os movimentos independentistas ou nacionalistas. Basta pensar na Catalunha.