quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Artigo meu sobre o nosso grande José Régio














Literatura Portuguesa: Um "sabor" de JOSÉ RÉGIO
5 de Março de 2011 às 12:34



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HOJE: passagem pela obra de JOSÉ RÉGIO (1901-1969)



Notável pensador, crítico literário, ensaísta, escritor e tantas outras coisas importantes para as nossas Letras. Eduardo Lourenço refere-se a JOSÉ RÉGIO (JR), nos seguintes termos, in “Tempo de Poesia”, a páginas 120/121: “Mas alguns, irremediavelmente poetas, ao perder a fé da infância, jamais puderam, porque poetas, perder a infância dessa fé. (…)”

Poeta maior, poeta controverso, principalmente pela coragem assumida em revelar as suas dúvidas religiosas e de fé, JR deve ser lido, com amor e cuidado.

Como os leitores já sabem e mesmo correndo o risco de ser repetitiva, não posso alargar-me, num artigo deste teor, pelo que me limitarei a dar-vos possíveis “achegas”, a fim de tornar mais fácil a tarefa, a quem tiver naturais dificuldades com estas matérias.

JR foi um artista multifacetado das nossas Letras, tendo passeado a sua genialidade pela Poesia, pelo Drama, pelo Ensaio, pelo Romance, pela Crítica, etc.

Os temas dominantes mais evidentes na Poesia são os de índole metafísica, Deus e as dúvidas do Homem perante a transcendência, o pensamento triste da Morte, fatal e inevitável; trata, ainda, as dicotomias com que cada um de nós se confronta, no dia a dia, como a verdade e a ilusão, a justiça e a injustiça, o bem e o mal, enfim, a frustração da existência:...”Sei que não tenho medo da Verdade” (…)

Advoga, ainda, a temática pessoana do Fingimento poético, verdade essa que se nota no poema “Lúcifer”: “Mas, para que ninguém saiba o que sei, / Mentirei! fingirei! /renunciarei!”

Esta e outras poesias atingem atitudes confessionais, através das quais o poeta põe a nu as suas dúvidas, os seus pensamentos mais íntimos, as críticas, a raiva perante situações de desigualdade, a sordidez de actos que denigrem o homem, como, por exemplo, a prostituição. Esta sua época literária, princípios do séc. XX, foi propícia ao aparecimento de imensas correntes de pensamento, ligadas a outros valores do homem no mundo. Lógico é, portanto, que JR sofresse influências de autores de fora de Portugal, como eram Bergson, Ibsen, Flaubert, Tolstoy, Camilo, João de Deus, António Nobre, etc.

Apesar de todas as dúvidas metafísicas, notam-se marcas dos seus contactos com os Evangelhos, nas suas obras; não ficam de fora impressões sobre a cultura tradicional portuguesa e temáticas do Saudosismo e do Modernismo. Em vários poemas, é notável a temática pessoana do “SER-NÃO-SER”,” o ser outro que já foi ou outro que ainda não é…”( in Introdução a uma obra, posfácio1969, em PDD, PORTUGÁLIA EDITORA, 1970, pág.99 e seg.).

A vida interior e o subjectivismo subjacentes ao ser humano, levam-no a “ver”, em cada um, os sinais contraditórios da nossa personalidade. Isso nota-se, claramente, em “Poemas de DEUS e do DIABO”, de1925. E é a luta entre o poeta e Deus que o persegue por toda a vida:”DESISTO DE TE ACHAR NO QUE QUER QUE SEJA,/de te dar nome, rosto, culto ou igreja…/-TU é que não desistirás de mim!” (IGNOTO DEO, em B.)

Egotista, Régio ignorava os outros e não aceitava os seus testemunhos. Admitiria Deus, como uma certeza, se deus lhe falasse directamente, a ele; aderiria ao cristianismo, se pudesse ver Cristo ressuscitado, com os seus próprios olhos. Mas Deus não lhe responde e fica mudo perante o seu cepticismo. Em “ Poema do silêncio”, diz Régio, a certa altura: “ Senhor meu Deus em que não creio! / Nu a teus pés abro o meu seio:/ Procurei fugir de mim, / Mas eu bem sei que sou meu único fim.”

Em “ O jogo da cabra-cega”, depois de tanto se confrontar com os seus dramas, JR chega a esta conclusão:”Assim, através do conhecimento de mim, se me revelava a humanidade. E assim se me revelou DEUS!”.

Esse seu humanismo iria provocar nele um modo peculiar de ver os outros, revelando uma vertiginosa simpatia para com os humilhados e sofredores, os ofendidos e os indignados, de quem o poeta se sente irmão, nas adversidades. As monstruosidades vulgares que lhe permitem compreender e aceitar que, afinal, sempre tem que caminhar com os outros, advém do reconhecimento da desgraça, da miséria, da opressão, das injustiças e dos vícios, em geral. É então que deparamos com o maravilhoso “Cântico Negro”: “Vem por aqui”- dizem-me alguns com olhos doces… (…) E nunca vão por ali…/ (…) Não, não vou por aí! Só vou por onde/ Me levam meus próprios passos (…) Ide! tendes estradas,/ tendes jardins, tendes canteiros,/ Eu tenho a minha Loucura! Deus e o Diabo é que me guiam, mais ninguém. Todos tiveram pai, todos tiveram mãe; Mas eu que nunca principio nem acabo, nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.(…) Não sei por onde vou, /Não sei para onde vou, / -Sei que não vou por aí!”

O cristianismo da sua infância, folclórico e simplista, no modo como ele o entendia, sem bases teológico-científicas, se, por um lado, quase não resistiu à sua intelectualidade, também não o abandonou completamente. Palpitou-lhe na mente e no coração e fez com que a sua luta fosse, do princípio ao fim, uma busca bem como uma rejeição, constantes, de Deus.

Viveu, Régio, por várias décadas, em Portalegre, onde foi Professor também. Essa extraordinária vivência, na duplicidade Homem-Professor, retrata-a ele, em pujança, no poema “Toada de Portalegre”: (…) Em Portalegre, dizia, / Cidade onde então sofria/ Coisas que terei pudor/ De contar seja a quem for…/ E era, então, que sucedia/ Que em Portalegre…- A minha acácia crescia…”

O poema é belíssimo, mas muito grande; é, como disse, o retrato de parte da vida de Régio, como homem, como ser que se interroga…É, como ele se auto caracteriza, “o retrato de um ser só, nulo, atónito, que vivia como um AUTOCADÁVER”.



Mª Elisa Rodrigues Ribeiro

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