sexta-feira, 10 de março de 2017


ENTREVISTA
Paul Auster: “O futuro da América está em risco”


Paul Auster regressa ao romance com 4 3 2 1. O livro parte de uma pergunta: e se? E se uma vida não se esgotasse numa possibilidade. No caso, a vida de um homem que tem a idade do escritor e cresceu na mesma geografia. Chama-se Archibald Isaac Ferguson e é pura ficção, garante Auster.
ISABEL LUCAS 10 de Fevereiro de 2017, 7:30
Partilhar notícia
Partilhar no Facebook
Partilhar no Twitter



Foto4 3 2 1 é um romance sobre “o desenvolvimento humano” construído a partir de quatro hipóteses para a vida de Archibald Isaac Ferguson FOTO: PEDRO CUNHA/ ARQUIVO
PUB



A conversa vai longa quando Paul Auster se levanta da poltrona para regressar logo depois com um livro na mão. “Já leu?”, pergunta. É Bleak House, romance de 1853 em que Charles Dickens faz uma crítica ao poder britânico do século XIX. Com uma voz cava, começa a ler. “London...” e seguem-se dois ou três minutos, apenas o parágrafo inicial, como exemplar do que de “melhor” se faz com a língua inglesa. Com um cigarro electrónico na mão direita, vai marcando o ritmo. No fim, recosta-se. Faz muitas vezes esse exercício para captar a música e o sentido de uma frase, ou de um livro inteiro: ler em voz alta. “Sou eu quem grava as edições em áudio dos meus livros”, justifica. Em Agosto esteve em estúdio e o resultado final foram 46,5 horas para passar as 900 páginas de 4 3 2 1 (ASA), romance sobre “o desenvolvimento humano” construído a partir de quatro hipóteses para a vida de Archibald Isaac Ferguson, personagem que partilha o tempo e a geografia de Paul Auster entre 1947 e 1971.
PUB


É sábado, 4 de Fevereiro. No dia anterior, Auster fez 70 anos. “Estranho, isto”, confessa, enquanto abre a porta da casa onde vive, em Brooklyn, Nova Iorque. O “isto” é a idade, um número a que ainda não se habituou e que de vez em quando volta à conversa pontuada por gargalhadas roucas, referências de livros, poemas, filmes, autores, a expectativa meio velada acerca das reacções ao novo romance publicado quatro dias antes e uma zanga. Paul Auster está muito zangado com a América actual. A tudo isto, faltou o habitual cigarro.

Já não fuma?
Não, deixei. Isto é apenas vapor, e gosto [gargalhada]


Agora, quando bloqueio, não entro em pânico. Digo a mim mesmo que, se o livro precisa de ser escrito, hei-de encontrar uma maneira. Essa é a diferença essencial entre ser mais velho e mais novoPaul Auster

Tem dito que nunca esperou viver tanto. Fez ontem 70 anos. Que pensamentos lhe vão pela cabeça?
Tenho pensamentos contraditórios. Parte de mim acha que não aconteceu nada, é só mais outro dia na minha vida. E outra parte pensa: “70 anos!” Isso era ser extremamente velho. Mas agora as pessoas de 70 anos não parecem ser tão velhas como quando eu era criança. Ocorre-me uma frase de um amigo, o poeta George Oppen, que morreu há muito: “Que coisa estranha aconteceu a este rapazinho”. Sinto-me dessa maneira. Mas basicamente estou feliz por estar vivo, por estar aqui, e a minha saúde parece estar bem. A menos que um autocarro passe por cima de mim, acho que ainda posso ter alguns anos à minha frente.

A idade ajuda a escrever?
Acho que se vai sempre aprendendo. Escreve-se e é sempre difícil. Há uma única mudança na minha atitude enquanto escritor e que foi acontecendo. Antes, quando ficava bloqueado, entrava em pânico, achava que não iria conseguir e o livro estava morto. Mas acabava por conseguir, podia levar dias, semanas ou meses. Agora, quando bloqueio, não entro em pânico. Digo a mim mesmo que, se o livro precisa de ser escrito, hei-de encontrar uma maneira. Essa é a diferença essencial entre ser mais velho e mais novo.
Continuar a ler

Sem comentários:

Enviar um comentário